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RELACIONAMENTOS ABERTOS – VANTAGENS E DESVANTAGENS

    THE FREEDOM TO CHOOSE

    Rethinking monogamy, marriage and relationships

    (A LIBERDADE DE ESCOLHER – Repensando a monogamia, o casamento e relacionamentos)

    Masha Halevi

    INTRODUÇÃO    

              A autora, casada, vive em um relacionamento aberto. Afirma que resolveu “sair do armário” por enxergar os problemas da monogamia e sentir a necessidade de propor outras possibilidades – embora reconheça que estas também têm suas dificuldades.

              Aos 40 anos, e após 15 de monogamia, sentiu subitamente a falta da paixão etc. em sua vida. Abriram o relacionamento alguns meses depois. Não sem problemas e recuos.

              Acordou para a marginalização que vivem os que aceitam o poliamor após ler a “bíblia” do assunto, “The Ethical Slut”, de Janet Hardy e Dossie Easton. A própria autora conta que, mesmo após abrir seu relacionamento, ainda achava os que viviam o poliamor como “bizarros”, que havia algo errado com eles. Aos poucos, entretanto, começou a perceber os problemas de admitir publicamente seu novo estilo de vida.

              Começou a estudar mais profundamente o assunto e escrever sobre, quando percebeu que o assunto central não era monogamia versus poligamia, mas a essência de como nos relacionamos com o outro – propriedade versus autônomo, por exemplo.

              Isto mudou até mesmo sua carreira, ligada à pesquisa em Geografia, indo agora para a parte prática de consultoria em relacionamentos.

              Pensamos que o poliamor etc. são escolhas diferentes de escolhermos a monogamia, sem percebermos que não temos o direito, geralmente, de escolher outra coisa a não ser a monogamia, já que tudo o mais parece ilegítimo. Vivemos em uma sociedade mono-normativa.

              Por outro lado, quem conhece e aceita todas as possibilidades e escolhe a monogamia está agindo de forma livre.

              Porém, não devemos esperar pelo “final feliz” em nenhuma escolha. Não há garantias em nenhuma delas.

    CAP. 1 – O QUE É A MONOGAMIA – E ISTO É O ESTADO NATURAL E APROPRIADO AO QUAL DEVEMOS ASPIRAR?

              Quase todas as músicas, filmes, livros, tratam de casais monogâmicos. É o “ideal” da nossa sociedade. A monogamia está tão subentendida entre nós que não é mesmo discutida. Até mesmo a ciência, a psicologia e a medicina a reforçam.

              Mudamos, nas últimas décadas, da monogamia definitiva (“clássica”, como a autora a chama) para a serial. Porém a fidelidade, em si, não deixa de ser uma regra. Pessoas que a descumprem são “Peter Pans” que não querem crescer.

    Uma perspectiva biológica sobre a monogamia

              A questão da “natureza humana” muitas vezes tem sido utilizada para impedir as pessoas de agir de uma forma diferente – pessoas assim precisam ser tratadas ou mesmo punidas.

              Carrie Jenkins aponta em “What Love Is: And What it Could Be” que podemos muito facilmente pensar que é biológico algo que é apenas cultural – modo a teoria das raças. Geralmente estas distorções atendem à parte dominante da sociedade. Nem todas as sanções do mundo, entretanto, farão desaparecer “desvios” como o homossexualismo.

    Monogamia no reino animal  

              Cerca de 3% apenas dos mamíferos são monógamos – mesmo assim, muitos por apenas uma “temporada”. E a lista decai – até “exemplares” gibões já foram pegos “pulando a cerca”.

              Menos de 10% dos pássaros são monógamos – novamente, usualmente por não mais do que uma sessão de acasalamento. Aquela imagem de um casal de gansos formando um coração… esqueça!

              Entre peixes e anfíbios, até a monogamia social é muito rara.

              Entre animais socialmente monógamos, há um óbvio conflito de interesses: tanto machos quanto fêmeas querem que seu parceiro seja fiel, ao mesmo tempo em que querem desviar-se do caminho.

              O efeito Coolidge foi observado tanto em machos quanto em fêmeas. Com o passar do tempo, o desejo diminui; troque o parceiro e o vigor sexual retornará.

              Um estudo mostrou que uma mudança em um receptor do hormônio vasopressina torna as promíscuas ratazanas-da-pradaria socialmente monógamas como suas parentes ratazanas-da-montanha. 

    Há um gene para a monogamia? Longe de ser provado isto, ainda.

    Homo monógamo”? Entre primatas e humanos

              Somos tão próximos aos chimpanzés que alguns estudiosos sugeriram que estes animais fossem incluídos na raça humana. O elefante indiano e o africano estão mais separados, geneticamente, do que nós e os chimps.

              Os bonobos vivem em “omnigamia” (todos podem todos). E são os únicos animais, além de nós, que fazem sexo cara-a-cara. Ryan e Jetha sugerem que os humanos seria omnigâmicos também.

    A teoria da competição espermática

              Alguns animais deixam uma espécie de “rolha” espermática dentro das fêmeas – o que a bióloga da evolução Olivia Judson comparou a um cinto de castidade.

                Mas fêmeas de esquilos, cangurus, abelhas e aranhas, entre outras, já aprenderam a expulsar a “rolha”.

              A fêmea da lula Euprymna tasmanica é um dos animais que pratica a “vantagem do último esperma”. O segundo a copular com ela é responsável por mais de 75% da prole.

              Os humanos têm as características de animais que praticam a “competição espermática”, como testículos grandes, ao contrário de animais monógamos e poliândricos.

    Características fisiológicas da não-monogamia entre seres humanos

              Homens:

    – testículos médios e muito esperma

              – simorfismo sexual – a pequena diferença em altura entre homens e mulheres também é observada em chims e bonobos.

              – tamanho do pênis, entre os primatas – e pênis com capacidade de sucção.

              – cuckolding

              Mulheres:

              – ovulação secreta

              – alterações de preferência durante a ovulação (“hipótese dos bons genes”; “estratégia dual”)

              O pesquisador alemão Dietrich Klusmann faz paralelos entre as estratégias dos pássaros e os humanos.

              E conclui que é o natural é que a fêmea perca mais do que o macho o interesse sexual em uma relação de longo prazo. Para o macho, ter um segundo filho com a mesma mulher é mais interessante, biologicamente falando, do que para ela.

              Se as mulheres fossem naturalmente tão fiéis os homens não precisavam ter inventado burcas etc.

              No judaísmo, o filho de uma mulher infiel é considerado um bastardo e sofre sanções como a proibição de se casar. Pela lei judaica, esta mulher pode ser punida com a morte.

              “Falando de uma forma geral, seres humanos, homens e mulheres, são criaturas hiper-sexuais.”

              Animais monógamos são quase sempre hipo-sexuais. A autora aponta como é irônico ver pessoas promíscuas serem acusadas de estar se comportando como animais.

              O sexo é uma grande necessidade humana, porém nossa cultura o reprime – especialmente a sexualidade feminina.

              Há uma substancial coincidência entre o número que pessoas que denunciam a infidelidade e aquelas que a praticam.

               Entre 186 culturas, a principal causa de divórcio é a infidelidade. Que também é a principal razão para a violência doméstica.

              Uma pesquisa encontrou que 50% dos homens e 60% das mulheres estão tendo relações fora do par. Considerando-se que em muitos casos apenas um dos dois está fazendo isto, será difícil encontrar um casal onde nenhum dos dois esteja fazendo… Peggy Vaughan, em “The monogamy myth”, estimou que os casais fieis são menos de 20%.

              Independente do número, em quanto dos casais monógamos um dos parceiros não está apenas se contendo, por motivos vários, para pular a cerca?

              O conceito de infidelidade é elástico. Em uma pesquisa, cerca de 25% das pessoas disse que considera traição até mesmo que o parceiro fantasie com outras pessoas e 20% considera o consumo de pornografia como.

              Uma teoria, proposta por Helen Fisher, antropologista, em “Why we love?” vem ganhando tração nos últimos anos. Segundo ela, nós nascemos para ser monógamos – porém em série. 

              Nossa urgência sexual busca por vários; o amor romântico nos faz focar em um, poupando tempo e energia. E o attachment nos permite “tolerar o parceiro ao menos enquanto a criança cresce”, diz com humor em um TED Talk.[1]

              A filósofa Carrie Jenkis discorda de Fisher. Ela separa o amor romântico em partes biológicas e culturais e aceita a parte biológica hormonal da teoria de Fisher. Contudo, afirma, a mulher não teria necessidade de um homem a seu lado, pois cuidados e alimentação para ela e o bebê poderiam ser dados por outras mulheres, numa espécie de cooperativa.

              Além disto, se é tudo biologia, o amor deveria ser o mesmo em todo o globo e em toda a história. Seria então o amor, em parte, construto social? Para Jenkins, sim.

              Se tudo for biológico, o que fugir do padrão poderá ser “medicado”. Como gays etc.

              Três psicólogos, Rafael Wlodarski, John Manning e Robin Dunbar, dizem apenas que não há uma natureza humana homogênea em relação à monogamia. Para eles, há dois tipos humanos básicos: monógamos e não: 57% dos homens e 43% das mulheres seriam não-monógamos.[2]         

    Pensamentos sobre a questão da monogamia e a natureza humana

              Para a autora, as teorias anteriores sobre nossa natureza têm algumas falhas.

              Nós somos muitos diferentes um dos outros, seja por genética, seja por cultura assimilada. Algumas pessoas gostarão da monogamia eterna, outras não conseguem nem a serial. Algumas pessoas nascem gays, outras assexuais.

              Mesmo entre os animais, nem todos de uma espécie são 100% uma coisa ou outra – mesmo sem a “cultura”.

              A autora acredita que, ok, quando estamos apaixonados (geralmente) somos monógamos, porém quando a paixão passa somos não-monógamos – mesmo ainda amando nosso parceiro, como um terço das pessoas que têm um caso afirma.

              Acredita, ainda que há uma escala entre o monógamo e o não-monógamo, com a maioria de nós não sendo estritamente nenhum dos polos. E nos movemos por esta escala ao longo da vida.

              Estamos quase todos sofrendo, pagando este preço, em nome do quê?

              Contudo, a partir do momento em que internalizamos a ideia do “Par Ideal”, é muito difícil sairmos dela. Pessoas que têm casos podem pensar que estão com o parceiro errado. Etc.

              A autora lembra do conceito de intersubjetividade, de Yuval Noah Harari, em “Homo Deus”. A monogamia, assim como o dinheiro e a religião, é algo tem valor apenas porque acreditamos que tenha.

              A ciência, mesmo lidando com dados, tenta provar o que a cultura – ou seu autor – acredita. Como a “evidência” de Bateman para a monogamia feminina.

              Suas moscas ficaram três ou quatro dias em garrafas. Os machos tentavam copular com o máximo de fêmeas possível; as fêmeas rejeitavam quase todos.

              Outros estudos levaram sua conclusão “inevitável” ainda mais longe, dizendo que as fêmeas são recatadas, por exemplo, para evitar o risco de doenças venéreas ou serem atacadas por um predador.

              A bióloga Olivia Judson diz que as conclusões de Bateman estão simplesmente erradas. “Na maioria das espécies, as fêmeas são mais prostitutas (strumpet) do que santas.” Elas irão copular com vários e, com frequência, muito mais do que o número necessário para fertilizar seus ovos.

              Se Bateman tivesse observado as próprias moscas por mais tempo, teria observado isto – elas não ficam fiéis a um – elas apenas preferem um por semana.

              Os próprios estudos atuais que falam sobre não-monogamia podem estar apenas acompanhando a desintegração da monogamia em nossa sociedade.

              Isto não quer dizer, entretanto, que monógamos felizes sofreram “lavagem cerebral”. E daí se, se for o caso, apenas internalizaram a cultura?

              A sociedade, aliás, precisa de certas normas. O problema é quando estas normas estão sufocando muitos.


    [1] Helen Fisher : Porque é que amamos e traímos | TED Talk

    Helen Fisher: The brain in love | TED Talk

    [2] (PDF) Wlodarski R, Manning J, Dunbar RIM.. Stay or stray? Evidence for alternative mating strategy phenotypes in both men and women. Biol Lett 11: 20140977 (researchgate.net)