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POR QUE TRAÍMOS?

    CAP. 4 – POR QUE O ADULTÉRIO? (A NATUREZA DO TRAIDOR)

              Na costa italiana, no meio do século 20, criou-se a imagem do amante latino. Os homens jovens não podiam fazer sexo com as locais, a não ser casando. E não havia prostitutas nos pequenos vilarejos. Por outro lado, os resorts recebiam várias mulheres solteiras…

              Quando estes homens entraram na meia idade, eles não pararam de fazer sexo – mas agora eles tinham casos nos vilarejos. Geralmente com mulheres que, como eles, também eram casadas. Não era sexo por sexo – muitos destes casos duraram a vida inteira.

              Todo mundo sabia, mas havia uma lei tácita do silêncio.

              Na Amazônia, entre os Kuikuru, um grupo de cerca de 160 pessoas que vive às margens do Rio Xingu, no Brasil, affairs extramaritais também são aceitos, mas bem mais complexos.

              Os jovens se casam logo após a puberdade. Mas, algumas vezes, meses depois, homens e mulheres começam a ter amantes, chamados de “ajois”.

              Os ajois conseguem que seus amigos marquem os encontros. Então eles saem dizendo que vão buscar água, algo assim. Então encontram a pessoa casada, trocam algum presente, fazem sexo.

              A maioria dos casados têm de quatro a 12 amantes.

              Porém, ao contrário dos italianos, eles gostam de discutir isto abertamente. Até crianças sabiam descrever a rede dos ajois. Apenas marido e mulher não discutem um com o outro o assunto. Isto porque o ofendido poderia se sentir obrigado a confrontar o amante; coisa que todos queriam evitar.

              Mas às vezes era difícil não fazer nada – quando, por exemplo, uma mulher demonstrava publicamente amizade demais com o amante, ou passava tempo demais “buscando água”. Então uma discussão pública se seguia. Mas a punição pelo adultério era rara.

              Dezenas de estudos etnográficos testificaram a prevalência de atividades extramaritais por todo o mundo. Embora amemos e queiramos a monogamia, também tendemos a ser infiéis. Por que a predisposição para o adultério evoluiu?

    – As muitas faces do adultério

              O que, afinal, constitui o adultério?

              Entre os Turu da Tanzânia, durante a cerimônia de puberdade dos garotos, no primeiro dia de festividades, amantes dançam imitando um intercurso sexual e cantam músicas falando de pênis, vaginas e sexo. Ao final do dia, realizam o que cantaram.

              A “hospitalidade” de esposa é costumeira entre muitos inuítes (esquimós). Se um esquimó quer estreitar laços com outro, ele oferece a sua esposa – se ela também aceitar. Se todos concordam, eles podem passar até semanas juntos. Mulheres também oferecem sexo a visitantes e estrangeiros. Tudo isto é visto como uma força de estreitar relações, criando uma forma de parentesco ampliado.

              Na Europa medieval, um senhor feudal podia ter o direito de deflorar a mulher de um vassalo na noite do casamento, o jus primae noctis. Não se sabe até que ponto isto acontecia, mas há evidências de que ao menos na Escócia sim.

              As definições de adultério variam.

              Para os Lozi, na África, se um homem assedia uma mulher casada, por exemplo oferecendo-lhe rapé, ele cometeu adultério.

              Se um homem nos Estados Unidos, em viagem, sai para jantar com uma mulher, tenta ficar com ela, mas no fim não consegue sexo, ele sabe intimamente que foi adúltero.

              Entre os Kofyar, da Nigéria, uma mulher insatisfeita com seu marido, mas que não quer largá-lo, pode chamar um amante para morar na sua casa. O homem também pode fazer o mesmo. Ninguém considera isto adultério. O que contraria a definição do dicionário.

              Os psicólogos americanos então falam em três tipos de infidelidade: a sexual, a emocional e a que envolve os dois aspectos.

    – O padrão duplo para o adultério

               Nas sociedades agrícolas do arado, como os tradicionais chineses, japoneses, hindus e europeus pré-industriais, sociedades patriarcais, o adultério não é termo comumente aplicado aos homens, ele é um “vício” feminino.

              O duplo padrão surge junto com a crença de que o homem era o semeador – de vidas.

              Em grande parte da Ásia, os homens eram incentivados a ter concubinas. Na China – onde o homem só podia ter uma esposa por lei – as concubinas eram levadas para o complexo familiar, recebiam aposentos particulares. De certa forma, eram tratadas com muito mais respeito do que as amantes ocidentais de hoje. Em parte, porque elas tinham mais um propósito além do prazer do homem: gerar filhos. Estes filhos eram considerados herdeiros legítimos.

              Gueixas, prostitutas, escravas… nada disto era considerado adultério.

              Um homem chinês só era considerado realmente adúltero se transasse com a mulher de outro homem. Uma violação contra a ancestralidade do homem traído. Eram, então, condenados à morte.

              Na Índia, se um homem seduzisse a esposa do seu guru, ele poderia ser obrigado a se sentar em uma placa de ferro incandescente – e, depois, a cortar o seu próprio pênis.

              A conduta honrosa para um japonês pego em tal situação era o suicídio.

              Já os direitos sexuais para as mulheres em tais sociedades eram completamente diferentes. O seu dever não era “espalhar sementes”. Pelo contrário, era cuidar do lar e dos filhos. Dos filhos do seu marido.

              O ideal era que uma boa moça se casasse por volta dos 14 anos, antes que pudesse comprometer a sua pureza.

              Se adulterasse esta pureza após casada… Um homem hindu poderia matá-la. Na China e Japão o esperado era que ela mesmo se matasse.

              Nos princípios da civilização ocidental o padrão duplo foi documentado em várias leis – desde os semíticos, 1800 a. C. Uma adúltera poderia ser morta – ou ter seu nariz decepado. Para os homens, novamente, só era proibido mexer com a mulher do próximo ou tirasse a virgindade de uma mulher prometida a alguém. Então era castrado ou morto.

    – “Não adulterarás”

              A visão sobre o adultério apenas piorou quando se transformou em uma ofensa não apenas ao marido, mas a Deus, entre os antigos hebreus, após o exílio – antes, aparentemente, eram mais tolerantes. Pela lei mosaica uma mulher deveria ser virgem ao se casar. Ao homem eram permitidas concubinas, prostitutas etc. Tudo menos mexer com a mulher do próximo. 

              No período talmúdico, nos primeiros sexos da era cristã, a regulamentação sobre o sexo foi crescendo, chegando a prescrever, para cada classe social, até mesmo quantas vezes podiam ou deveriam fazer sexo por semana. Por exemplo, “pilotos” de camelos deveriam ter sexo marital três vezes por semana.

    O sexo dentro do casamento passou a ser sagrado. O Cântico de Salomão, exaltando o amor marital, foi incluído na Bíblia hebreia por volta do ano 100. Os dentes, as bochechas, cada parte do corpo da mulher era motivo de celebração – frente ao Senhor.

    Por outro lado, homossexualismo, masturbação, adultério feminino, tudo o mais era condenado por Deus. Claro, adultério masculino era grave apenas se com uma mulher comprometida.

    Já os gregos, como seus deuses fornicavam bastante, a concupiscência terrena era aceita. Porém proibido ainda mexer com a mulher do próximo, possível pena de morte.

    Mas os homens se consideravam superiores às mulheres. Ainda novas elas se casavam com homens que eram do dobro de sua idade e as deixavam guardadas dentro de casa, mais como domésticas do que como esposas.

    Os homens se divertiam com cortesãs educadas, as “hetaerae”. Alguns homens, particularmente das classes superiores, se entretinham com outros homens – ou melhor, com jovens.

    Porém um grupo de gregos achava o sexo sujo e propunha o ascetismo e o celibato. A ideia correu através de grupos hebreus e chegou a alguns romanos e ao catolicismo. Paulo recomendava aos solteiros e viúvos que assim permanecessem. Caso não se conseguissem, que se casassem: “É melhor casar-se do que ser tomado pela paixão.”

              A maioria dos romanos, entretanto, parecia considerar o sexo limpo e divertido. O adultério era visto de forma relativamente tranquila.

              Para os cristãos, não. As interpretações sobre o pensamento de Jesus sobre o sexo, mesmo o marital, variam muito. Mas quem se separasse, mesmo que homem, e se casasse novamente, cometia adultério – isto ele disse.

              Santo Agostinho, nascido no século 4, queria muito se converter ao catolicismo, mas como renunciar ao mundo? Ele pediu então: “Senhor, dai-me a castidade, mas não agora!” Quando subitamente se converteu, passou a ver a luxúria como vergonhosa. Até o coito homem e mulher deveria ser apenas com o objetivo da procriação. O adultério era a encarnação do Demônio – inclusive o masculino. 

              Os líderes católicos foram se tornando cada vez mais hostis ao sexo. No século 11 o celibato foi imposto aos clérigos.

              E o adultério, de ambos os sexos, talvez desde Agostinho, permaneceu igualmente condenável -ao menos em teoria.

    – Infielmente seu na América

              Apesar de todas as proscrições e riscos, continuamos a trair. 

              Ainda nos anos 1920 o psiquiatra Gilbert Hamilton, pioneiro em pesquisas sexuais, atestou que 28% dos homens e 24% das mulheres já traíram.

              O relatório Kinsey, no final dos anos 40, apontou que mais de um terço dos homens e 26% das mulheres com menos de 40 anos haviam sido infiéis.

              Após a revolução sexual, aparentemente não houve uma explosão nestas porcentagens. Porém duas coisas mudaram. As traições aparentemente começam mais cedo, dentro do relacionamento. E o duplo padrão vem perdendo força.

              Além disto, o “não cobiçarás a mulher do próximo” parece não incomodar mais muita gente, já que 80% das pessoas comprometidas afirmam que alguém já lhes tentou seduzir – e 25% das pessoas já perderam o parceiro para um(a) talarico(a).

              *

              A autora leu 42 etnografias descrevendo povos os mais variados, do passado e do presente. E aponta que independentemente de seus códigos morais ou legais, de arranjos matrimoniais, de seus costumes sobre o divórcio… todas estas sociedades possuem os seus adúlteros – mesmo quando o ato é punido com a morte.

              Um estudo com 53 sociedades encontrou em todas também o talarico.

              A traição, enfim, parece fazer parte da nossa natureza evolutiva.

    – Por que homens e mulheres traem?

              “As correntes do casamento são pesadas e para carregá-las são necessárias duas pessoas – às vezes, três.” Oscar Wilde.

              As punições para a traição, em diversos locais do mundo, podem ser horrendas. Açoite público, queimaduras, espancamento, mutilação de genitais, ostracismo, decepamento de nariz e orelhas, apedrejamento, afogamento, asfixia, tiro, esfaqueamento…

    E ainda assim o fazemos.  

    Por quê? A resposta pode ir muito além dos simples “por sexo” ou “por amor”. Pode ser os dois. Pode ser para ser pego e despertar ciúmes. Pode ser para melhorar o casamento. Etc. etc. etc.