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POR QUE O FIM DE UM RELACIONAMENTO DÓI TANTO?

    “Apaixonar-se é apontar uma arma carregada para a própria cabeça. A separação dispara o gatilho.”

    O gatilho do sofrimento, quis dizer o pesquisador alemão Oliver Bosch, que estudou o efeito da separação forçada em arganazes-do-campo apaixonados.

    Muitos homens, principalmente, mundo afora, puxam este gatilho real contra suas cabeças. Eles não queriam morrer – queriam apenas não sofrer, mas como o sofrimento é intenso e aparentemente não terá fim… quase que intuitivamente, eles miram alguma região no fundo de seu cérebro de onde esta angústia parece estar vindo…

    Assim como boa parte do que sabemos sobre o apego e o amor bem-sucedido veio, inicialmente, do estudo com arganazes-do-campo, os pesquisadores continuaram a usar os bichinhos para estudar outras fases de um relacionamento. Por que não separar os casais apaixonados e ver o que podemos descobrir?

    arganazes-do-campo
    os arganazes-do-campo formam casais, ao contrário dos “promíscuos” arganazes-da-montanha

    Bosch criou vários “quartinhos” em um “hotel” de arganazes. Em metade destes quartinhos, colocou, em cada cubículo, um macho e uma fêmea virgens. Na outra metade, em cada quartinho, pares de irmãos do mesmo sexo.

    Dias depois, separou metade dos pares da ala “casais” e metade dos da ala “irmãos”.

    Aguardou um tempo e submeteu todos os arganazes do “hotel” a um teste de estresse.

    Estes testes comumente são utilizados, em roedores, para se selecionar ratinhos “deprimidos” e testar neles, por exemplo, o efeito de um novo medicamento antidepressivo. O comportamento passivo, apático, dos roedores, nos testes de estresse, é um indicativo de depressão.

    Um dos testes consiste em simplesmente colocar o arganaz em uma bacia de água. Roedores não afundariam, se ficassem parados. Porém eles não sabem disto. Com um medo desesperador de morrerem afogados, roedores não deprimidos patinam loucamente.

    Bosch observou que os arganazes que ainda estavam vivendo com seus irmãos, ao serem colocados na água, patinaram loucamente.

    Os arganazes que haviam sido separados de seus irmãos também patinaram loucamente.

     Os arganazes que ainda estavam vivendo com seus parceiros amorosos também patinaram loucamente.

    Os arganazes separados de seus parceiros amorosos… o próprio Bosch relata: “Foi inacreditável… Durante minutos, eles apenas flutuavam…” Larry Young diz que, assistindo aos vídeos dos arganazes boiando, é fácil imaginá-los cantarolando uma música de amor triste (“Ain’t no sunshine when she is gone”, de Bill Withers), “com suas vozes finas de arganazes”.[1]

    Enquanto escuta a música, pare e pense por um instante em tudo isto. Os arganazes separados de seus parceiros estavam tão apáticos que perderam um instinto de sobrevivência! Se arganazes afundassem, eles teriam morrido, tão “tristes” e distantes estavam da realidade.

    Agora seja honesto: você já se viu em uma situação assim, totalmente abatido, distante, apático, após um término, às vezes sentado na mesa de um bar, um copo de cerveja à frente, olhando para o nada, por longos minutos? Eu já.

    Apesar de todas as camadas de inteligência e cultura que tornam o comportamento humano muito mais complexo do que o de um arganaz-do-campo, no núcleo destas camadas reside uma biologia muito semelhante.

    A nossa diferença para um arganaz-do-campo é que, às vezes, por diversos motivos, podemos reagir de uma maneira diferente – mas, “lá no fundo”, a origem do sentimento é a mesma.

    Os arganazes-do-campo, muito mais simples do que humanos, apenas agem de uma maneira mais previsível. Eles não precisam, por exemplo, trabalhar ou fingir que estão bem, por isto podem “se entregar” à tristeza.

    Eles se se deixam levar por este sentimento também por não saberem que podem fazer algo a respeito, como nós que desenvolvemos mecanismos de defesa, como a negação: ir para um festa agitada ou entrar imediatamente no Tinder e procurar por um novo parceiro.

    A reação dos arganazes separados é chamada tecnicamente de “enfrentamento passivo do estresse”, mas isto não tem importância aqui. O que importa é que é uma reação a uma ansiedade devastadora, nas palavras de Young.

    Dói, dói muito!

    *

    Há um detalhamento importante no estudo de Bosch que mostra uma diferença entre machos e fêmeas.

    Dissemos que os arganazes-do-campo que foram separados de seus irmãos patinaram loucamente. Isto é – se eles sofreram com a perda, não foi um sofrimento devastador a ponto de anular um instinto de sobrevivência.

    Porém isto só foi verdade para os machos. As fêmeas separadas de suas irmãs também mostraram comportamento depressivo nos testes.

    Isto aponta para algumas conclusões, se você não se sentir mal em extrapolarmos os resultados para homens e mulheres.

    Os homens só formam vínculos potencialmente dolorosos na separação com suas mulheres. As mulheres formam com o parceiro, com irmãs, com amigas. Assim, qualquer perda pode ser dolorosa para uma mulher – porém como geralmente elas contam com uma rede apoio maior, um rompimento doloroso pode ser menos doloroso para elas do que para os homens, que podia contar apenas com sua (ex) parceira.

    O machismo tem alguma influência nisto. Homens não querem se mostrar vulneráveis para outros homens. (Mas até o machismo, ou ao menos alguns aspectos dele, têm explicação na Psicologia Evolutiva – machos “frágeis” eram “engolidos” por outros, nas savanas africanas onde surgimos.)

    Muitas mulheres nem desconfiam o quanto um homem pode sofrer, no fim de uma relação. Nos grupos de apoio que comando, mistos, dois espantos são típicos:

    – homens e mulheres dizem: “Não imaginava que tanta gente sofre por amor!” (Claro, no Instagram estamos todos felizes!)

    – as mulheres dizem: “Não imaginava que homens sofressem assim!”, ao ver os relatos de alguns colegas no grupo.

    REAÇÕES PSICOLÓGICAS AO FIM DE UM RELACIONAMENTO

    Não encontrei algum estudo sobre o assunto a seguir, portanto as ideias são minhas, Fernando.

    Penso que as pessoas que não reagem bem ao final de um relacionamento irão reagir de duas maneiras principais: ou com depressão ou com ansiedade/angústia.

    Alguém já disse que “a depressão é um excesso de passado; a ansiedade, um excesso de futuro”. Em outras palavras: a depressão é uma reação a uma perda, concreta, efetivada, irreversível; já a angústia, ou ansiedade, é uma reação à incerteza, ao medo de uma perda concreta, irreversível.

    Acho – acho! – que o que determinará a reação de “quem fica” é o modo como a relação acabou.

    Se a perda é irreversível, teremos uma reação depressiva, como a dos arganazes-do-campo flutuando na água. Por exemplo, sua esposa chega e te diz não apenas que o amor acabou, mas também que ela ama outra pessoa e está indo morar com ele. Não há o que possa ser feito, certo? (A não ser abrir uma cerveja e escutar repetidamente “Aint’ no sunshine when she is gone”…)

    Por outro lado, se sua namorada apenas se mostra distante e pede “um tempo”… Tempo sem contato – o que, em outras palavras, é um “término temporário”. Vocês pergunta a razão e ela diz que certos comportamentos seus estão fazendo ela perder o interesse… Isto gerará uma reação de ansiedade. Mil pensamentos de dúvida rondarão a cabeça do rapaz. “Foi um término ou não foi? Quanto tempo dura este ‘tempo’? Ela vai dar chance para outros, neste período? Se eu mudar meu comportamento, então, temos uma chance?”

    Esta hipótese dos dois tipos de reação é minha e não tem validação científica. É apenas uma hipótese, portanto.

    Mas é interessante notarmos que os arganazes-do-campo do estudo de Bosch tiveram uma separação “irreversível”, ao menos em suas cabecinhas. Eles nao viram para onde o parceiro foi, nao tinham como ir atrás. Seus parceiros simplesmente desapareceram! (Esperamos que o cientista os tenha reunido, após o estudo. E filmado a alegria dos bichinhos com a “ressurreição” de seus amados.)

    E a reação dos arganazes-do-campo à separação foi mais apática, depressiva, do que ansiosa, inquieta, agitada.

    O que é melhor, ou menos pior: uma separação definitiva e uma reação depressiva ou uma separação com “brechas”, esperança e angústia?

    Creio – novamente Fernando falando – que a depressiva seja mais suportável, desde que não seja uma depressão muito intensa. Como diz um ditado popular: “O que não tem solução, solucionado está.” A tristeza comumente é suportável. Conseguimos levar a vida, com ela.

    Já a dúvida e a angústia corroem. O transtorno de ansiedade generalizada é uma das doenças psiquiátricas mais agonizantes de todas.

    Se você está passando por um término incerto, como o do exemplo, e se você também “prefere” a tristeza do que a ansiedade, o que você pode fazer é tentar esclarecer ao máximo a situação. Aquelas dúvidas todas, é direito seu perguntar e obter o máximo de respostas possíveis para as suas angústias.  

    “Foi um término ou não foi?” – É um tempo mesmo, preciso disto!

    “Quanto tempo dura este ‘tempo’?” – Não sei! Isto eu não sei responder! Quanto tempo precisar até eu saber que rumo tomar…

    “Você vai me procurar quando tiver uma resposta, seja qual for?” Sim!

    “Você vai se abrir para conhecer outras pessoas?” – Não, quero descansar, cuidar de mim!

    “Se eu repensar e mudar meu comportamento, então, temos uma chance?” – Sim! Mas não posso te garantir que voltaremos.

    Apesar de várias pontas soltas ainda, observe que agora é muito mais fácil imaginarmos o namorado bem menos ansioso neste tempo, do que se tivesse que lidar com estas dúvidas sozinho – sem ter como respondê-las, ele ficaria remoendo-as por dias.

      Mais calmo, agora, ou ele pensa na reconquista – ou em como se preparar para o fim real.

    *

    Talvez os estudos sobre términos não façam esta distinção que faço entre os dois tipos de rompimento porque eles acabam por recrutar majoritariamente pessoas em términos consolidados. Como pesquisador, você provavelmente não queira estudar o que acontece no cérebro de uma pessoa em luto amoroso convidando uma pessoa cujo término foi anteontem e o relacionamento tem um histórico de idas e vindas. Isto não é, ainda, um término real.

    Você quer pessoas que já estejam enfrentando o fim há algumas semanas ou meses – e a chance de estes términos serem definitivos é maior.

    Assim, veremos, no laboratório (e nos consultórios), provavelmente, mais pessoas depressivas do que ansiosas. O cérebro destas pessoas estará no modo depressivo, e não ansioso.

    Feitas estas ressalvas, vamos ao que os estudos dizem sobre o cérebro em uma separação.

    SEU CÉREBRO, NO FIM DE UMA RELAÇÃO

    Voltemos aos nossos queridos arganazes-do-campo.

    O que Oliver Bosch notou, inicialmente, foi um nível muito mais elevado de corticosterona no sangue dos arganazes deprimidos. A corticosterona é o principal hormônio do estresse dos roedores. É liberada por suas glândulas adrenais, localizadas sobre os rins. As adrenais dos “abandonados” pesavam mais do a dos outros arganazes, indicando um trabalho árduo em fabricar o hormônio.

    Nos humanos, o principal hormônio do estresse é o cortisol, “parente” da corticosterona.

    A produção dos hormônios do estresse é induzida pela liberação inicial, no cérebro, de CRH – corticotropin-releasing hormone, em inglês, ou “hormônio liberador de corticotropina”. O CRH chega à hipófise, onde estimula a liberação de… claro, corticotropina. A corticotropina alcança o corpo e age nas adrenais. Os hormônios do estresse, enfim, fazem o seu trabalho em nosso organismo, tendo inúmeras consequências e um papel inclusive na desregulação do nosso sistema imune, nos tornando mais vulneráveis a infecções.

    Você não precisa decorar nada do que foi explicado acima. O que precisa entender é o seguinte.

    O que Oliver Bosch descobriu que foi o volume de CRH, a substância que irá dar início na cadeia do desespero após o fim, estava aumentado nos arganazes-do-campo antes da separação.   

    Mas não antes da formação do vínculo entre o casal.

    Pare e pense nisto por um instante.

    As conclusões são assustadoras. Enquanto você está se apaixonando, tudo parece lindo… Mas, em outra parte do seu cérebro, algo maligno está se formando: CRH.

    *

    “Por que esta m*rda toda acontece?” É uma pergunta justa.

    A natureza, a evolução, programou a nós – e aos arganazes-do-campo – para nos apaixonarmos… e para sofrermos se nos separarmos. Isto nos motiva a permanecer perto de nossos parceiros – pelo menos até que os filhotes estejam criados, segundo a Psicologia Evolutiva.

    Foi esta conclusão que motivou Bosch a comparar a paixão com apontarmos uma arma (carregada de CRH) para nossas próprias cabeças.

    É AMOR OU COMODISMO?

    Calma que pode ficar ainda um pouco mais deprimente.

    Relacionamentos geralmente duram mais do que a paixão. Isto é, mesmo quando a paixão acaba, ainda permanecemos juntos. Por quê?

    Bosch diz: “Os arganazes apenas querem não sofrer. Temos um normal juntos, o que quer que signifique ‘normal’. A sensação ruim força você a voltar para casa.”

    O famoso “comodismo” pode ser algo ainda pior: não é que nos acostumamos com nosso parceiro. Às vezes só não nos separamos porque, apesar de a paixão e o tesão terem ido embora, sabemos que iremos sofrer com o fim, mesmo sem entendermos o motivo.

    Pelo menos agora você sabe: não é amor, é CRH!

    *

    Não quero terminar este texto de forma pessimista, entretanto. Vejamos um ângulo  bom nesta história toda. Talvez você esteja com uma pessoa que não ame mais, porém você não tem coragem de terminar.

    Talvez se sinta covarde, incapaz de colocar um ponto final e enfrentar as consequências.

    Pelo menos agora você sabe: não é covardia, é o CRH!

    Você é apenas uma vítima de um mecanismo evolutivo feito mesmo para nos manter perto da pessoa pela qual você se apegou um dia. Este mecanismo não liga muito, agora, para o que você ache ou deixe de achar sobre seu parceiro.

    Lembremos que este mecanismo, quando você se apaixonou naquela pessoa, te cegou para os defeitos dela. Ou vocês não ficariam juntos. Se não ficassem, quem cuidaria do bebê? Agora a paixão passou e a razão voltou. “Problema seu!”, diz o CRH. “Fique aí mais um tempo, temos uma família a formar e filhos a criar…”

    Não se culpe – e saiba que, apesar de difícil às vezes, é possível vencer todo este sistema e pular fora de uma relação insatisfatória…


    [1] Citado em “A química entre nós”, de Larry Young.