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POR QUE É TÃO DIFÍCIL ESQUECER UMA PESSOA?

    Em um estudo realizado em 2013, os pesquisadores colocaram um ratinho para entrar em uma caixa várias vezes por dia. Dentro desta caixa, havia uma pequena torre azul, construída com blocos de Lego. Colocando eletrodos no cérebro do animal, os cientistas observavam quais neurônios se ativavam quando ele via o objeto.

    Algum tempo depois, a torre foi retirada. Os cientistas continuaram a observar o cérebro do ratinho. E notaram que, quando ele entrava na caixa, um outro grupo de neurônios se ativava. Esta ativação indica que o animal estava percebendo a falta da torre.

    Toda vez que o rato entrava na caixa vazias, os “neurônios da falta” se ativavam. Isto durou por cinco dias, indo diminuindo aos poucos. No sexto dia, o rato entrou na caixa e aqueles neurônios não se ativaram. Isto é, ele havia se acostumado com a ausência da torre. O “novo normal” para ele, era a caixa vazia.

    O estudo é “bobinho”, relativamente simples, e tem um nome nada atrativo: “Traços da experiência no córtex entorinal”.

    Por conta de inúmeros outros trabalhos, hoje sabe-se o quanto o córtex entorinal é uma região importante para a formação de nossas memórias. É uma das primeiras regiões afetadas na Doença de Alzheimer.

    O estudo com o ratinho, embora possa ter contribuído apenas um pouquinho para nosso entendimento da memória, pode ser visto sob uma outra ótica, mais simbólica.

    Quando uma relação termina, comumente um dos dois é atormentado por memórias, por pensamentos quase obsessivos sobre o outro. E então nos perguntamos: “Por que é tão difícil esquecer alguém?”

    O estudo com o ratinho nos deveria trazer um pouco de calma. Pensemos:

    1) O animal viu apenas algumas vezes a torre;

    2) A torre não tem significado emocional algum para ele – não era comida ou uma fêmea;

    3) E, mesmo assim, ele demorou cinco dias para esquecê-la!

    Em um relacionamento:

    1) Convivemos com a pessoa por meses ou anos!;

    2) Esta pessoa não é um brinquedinho feito de Lego, mas algo com um significado emocional profundo para nós!;

    3) Então, por que diabos pensamos que iremos esquecê-la em alguns dias?

    O normal é que este processo leve meses!

    Mas precisamos fazer uma distinção entre “lembrar” e “sofrer”.

    Um exemplo. Tenho um relacionamento de três anos e vamos ao McDonald’s cerca de duas vezes por mês. Não costumo ir sozinho. Suponhamos que este relacionamento acabe. E eu sinta vontade de ir ao McDonald’s? Qual a probabilidade de, nas primeiras vezes que for ao estabelecimento, não lembrar da minha ex-namorada? Zero!

    Porém isto não significa, necessariamente, que irei sofrer ao ir lá! Significa que irei, ao menos, lembrar, e que isto é perfeitamente normal! Três anos, duas vezes por mês, significa que fui umas 72 vezes com minha ex-namorada lá. Se eu continuar a ir ao restaurante com a mesma frequência, o esperado, portanto, é que eu tenha de ir muitas vezes, talvez dezenas, sozinho, até que meu cérebro desfaça a associação entre o McDonald’s e minha ex-namorada.

    Mas suponhamos que eu não gostasse tanto do sanduíche do McDonald’s e fosse porque ela chamava. Então, após o fim, fico meses sem ir. Neste tempo, acho que já a esqueci, que já superei o fim. Um dia sinto vontade de ir. É óbvio que irei me lembrar dela ao chegar lá – isto não significa necessariamente que irei sofrer, ter uma recaída, ligar para ela chorando e relembrando como éramos felizes comendo sanduíche e batata frita… Não necessariamente. Mas não lembrar dela será praticamente impossível! Porque, dentro do meu cérebro, continuava intacta a associação entre McDonald’s e a minha ex-namorada.

    Isto não significa que, em outra hipótese, se eu for ao McDonald’s apenas de quatro em quatro meses eu ainda me lembrarei dela daqui a três ou quatro anos, quando for lá. Este período é mais do que suficiente para que todas as memórias relacionadas a ela tenham se tornado apenas um borrão na minha mente, restando apenas as mais emocionalmente significativas. E ir ao McDonald’s comer um sanduíche muito provavelmente não estará entre elas.

    Qual a importância de saber isto tudo?

    Muitas pessoas, após o fim de um relacionamento, se incomodam com a persistência das memórias. É realmente esquisito e intrusivo como tudo parece nos fazer lembrar a pessoa!

    Como tudo nos mostra a falta da pessoa – como o ratinho ao entrar na caixa vazia, que não viu a torre, mas a falta dela!

    Isto nos incomoda. Queremos que seja diferente. Achamos que estamos possuídos por estas memórias. Que somos fracos. Que talvez tivéssemos como fazer algo a respeito.

    Lembremos que a torre azul ativou apenas alguns neurônios no cérebro do rato. Neurônios relacionados com a percepção da cor, do tamanho, da forma do objeto. Imagine quantos milhões e milhões de neurônios foram ativados, repetidamente, durante um relacionamento de anos!

    Seu cérebro, quer você queira ou não, está completamente inundado de memórias relativas ao seu ex! E você gostaria de esquecê-lo em alguns dias, risos. Se nem o ratinho esqueceu no primeiro dia a inútil torre de Lego, porque você acha que esqueceria uma pessoa com a qual conviveu, transou, dormiu, brigou etc. em uma semana ou duas?

    Não sei se os cientistas fizeram outras experiências com aquele ratinho. Provavelmente sim. Em um possível experimento, tenho certeza de que se, uma semana após o ratinho ter esquecido a torre azul, ele fosse exposto a apenas um ou dois blocos azuis de Lego, haveria uma bagunça em seu cérebro. Os neurônios que representam a torre completa iriam querer se ativar. Os “neurônios da saudade” iriam querer completar a torre, em sua mente. Áreas relacionadas à confusão mental talvez se ativassem. A confusão poderia estimular a área cerebral relacionada à ansiedade. Se no outro dia aquele bloco solitário não estivesse na caixa, os neurônios da falta novamente voltariam a se acender. Etc. etc. etc.

    Isto é um ratinho lidando com a vida artificial em um laboratório. E você, lidando com a vida real, infinitamente mais complexa, querendo que seja diferente com você.

    Não será! Aceite isto! Aceite que as memórias do seu relacionamento estão impregnadas no seu cérebro! Que elas levarão semanas, provavelmente meses, para começar a enfraquecer, para desaparecer…

    O que você pode fazer, além de aceitar isto, é continuar sua vida. Se você ficar meses em casa, logo ao sair tudo irá lembrar o seu ex, porque todas as associações continuaram intactas. A única forma de esquecer (não estou falando de superar, mas simplesmente de não lembrar tanto) é substituir uma memória por outra.

    Isto é, se ir ao McDonald’s e lembrar dela me incomoda, e quero continuar indo ao McDonald’s sem ficar lembrando dela, a única coisa que posso fazer é continuar a ir, mesmo lembrando dela – uma, duas, três, 20 vezes, até que meu cérebro comece a achar que o normal é mesmo eu ir ao McDonald’s sozinho!

    Reforçando: não lute contra o que você não tem como lutar! Quando uma relação acaba, quanto mais tempo durou e quanto mais intensa foi, mais o seu cérebro está inundado de memórias daquela pessoa. É como se houvesse uma enorme impressão dela no seu cérebro – o rosto, o corpo, a voz, o que ela diria nesta situação, o que ela acharia desta outra etc. etc. etc.

    Você não irá vencer estas memórias simplesmente “tentando não lembrar”. Estas memórias irão desaparecer, naturalmente, conforme sua vida continue. Dizem que “o tempo cura tudo”, mas isto não é exatamente verdade: o que fará estas memórias sumirem não será o tempo – se você se entupir de remédios para dormir por dois meses, ao acordar aquelas memórias ainda estarão todas lá! O tempo não curou nada. Mas se, nestes dois meses, você continuou sua vida, construiu novas memórias, novas associações entre uma coisa e outra, muito provavelmente o seu ex já estará começando a desaparecer do seu cérebro.

    Levará tempo até que suma quase que completamente. Não é culpa sua. Não se sinta ansioso ou muito menos culpado por isto, como se você não devesse se lembrar dele.

    É claro que esquecer é diferente de superar. Não estou dizendo que basta seguir a sua vida, para superar. Comumente isto é suficiente, mas nem sempre. E mesmo quando funciona, não significa que você superou apenas porque substituiu uma memória por outra – muitas outras coisas estavam acontecendo no seu cérebro, enquanto isto, especialmente nas áreas relacionadas às emoções.

    O intuito deste texto, portanto, é apenas um. É te acalmar quanto à normalidade do que você está passando. Pois sei que muitas pessoas se angustiam com a invasão que as memórias do ex causam após um término. Aceite isto. Pelo menos isto. Apenas aceite isto.

    Mas, se ainda assim o processo te incomoda muito, faça o que pode ser feito: continue sua vida, que novas memórias naturalmente substituirão as antigas.

    Apenas não force o processo. Ou você irá acabar é criando memórias mais dolorosas, tipo: “Toda vez que eu vou ao McDonald’s tentar esquecer minha ex eu lembro dela e sofro!” Apenas, se der vontade, vá; se não der, não vá.

    Siga o fluxo natural da vida. Não se cobre. Vai passar!