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OS “HORMÔNIOS DO AMOR” E O “CÉREBRO APAIXONADO”

    Quando foi descoberto o papel da ocitocina na formação do vínculo entre os arganazes-do-campo, a substância foi chamada de “hormônio do amor”. Posteriormente demonstrou-se que outros neurotransmissores estavam envolvidos no “amor” entre os bichinhos. E a ocitocina, isto já se sabia há muito tempo, tem outros papéis no organismo, como produzir a contração do útero, na mulher, durante o parto.

    arganazes do campo
    Arganazes-do-campo apaixonados. Não os inveje tanto: eles vivem apenas um ano!

    Mas os jornais adoram manchetes como “Cientistas descobrem a molécula do amor”, mesmo que não sejam exatas. (Não culpemos os jornais: eles adoram estas manchetes porque pessoas adoram estas manchetes. Poucas pessoas iriam ler algo como “Cientistas descobrem complicado sistema relacionado ao apego”.)

    Da mesma maneira, a feniletilamina foi chamada de “hormônio da paixão”, quando se descobriu o seu papel na atração, no desejo inicial que sentimos por alguém.

    A verdade é que não existe apenas uma molécula envolvida no desejo, no amor ou no sofrimento amoroso – assim como não se conseguirá localizar apenas uma única área cerebral afetada quando estamos vivendo estes sentimentos.

    Por outro lado, também seria um exagero dizer que o nosso cérebro muda completamente quando estamos vivendo cada um destes momentos. Muitas de suas partes continuam funcionando tal como antes de nos apaixonarmos ou perdermos um amor.

    Reportagens com títulos como “o cérebro apaixonado” seriam exageradas, portanto. Mas estariam mais próximas da verdade, ao menos em situações mais intensas como a paixão e um término – qualquer um que já passou por estes dramas sabe que estes estados parecem mudar completamente o nosso funcionamento: não são apenas as nossas emoções que são afetadas, mas também nossa capacidade de concentração (nossos pensamentos ficam presos na outra pessoa), mas até nossos sono e apetite!

    Isto acontece porque o cérebro não é uma coleção de ilhas isoladas de neurônios. Cada ilha destas, especializada em alguma função, se comunica com outras, que se comunicam com outras, que se comunicam com outras etc. E algumas destas se comunicam até com nosso corpo, podendo alterar coisas como nossa frequência cardíaca – e é por isto, possivelmente, que há muito tempo o amor foi situado no coração. As “borboletas no estômago” do apaixonado – ou a náusea no rompimento – também são efeitos corporais de um cérebro atormentado pelos pensamentos na pessoa amada.

    Os mais românticos ainda podem acreditar que o coração tenha algo a ver com o amor, mas, para os cientistas, está tudo dentro da sua cabeça. Tudo está acontecendo dentro do seu cérebro. Veja bem: isto pode parecer meio decepcionante (imagine dar um cartão de Dia dos Namorados com um desenho de um cérebro, ou chocolates com o formato), mas pode ser menos repugnante para nós do que situarmos o amor em nossos intestinos, como algumas culturas antigas aparentemente fizeram…

    (Pedi à inteligência artificial para criar a imagem de um “chocolate em formato de intestino” e deu nisto…)

    Fiquemos mesmo com o cérebro – e o seu produto, a mente.

    Alguns eventos, especialmente se são emocionalmente muito fortes, como uma paixão ou o fim de um relacionamento, são capazes de disparar uma reação em cadeia que, se não afeta todo o nosso cérebro, “canibaliza” boa parte deste – chegando enfim à nossa consciência: sentimos e sabemos muito bem o que estamos sentindo…

    De certa forma, viramos uma espécie de zumbis comandados por estes sentimentos. Mesmo sentimentos mais sutis, como o amor maduro e tranquilo, alteram substâncias e áreas em nosso cérebro que alteram nossa visão de mundo e nosso comportamento. E até nossa saúde: pessoas em bons relacionamentos apresentam menores taxas de morte súbita e mesmo quando gravemente doentes parecem mais capazes de se recuperar.

    Assim, embora falarmos de um “cérebro apaixonado”, de um “cérebro amando” etc., ainda seja um exagero, parece um exagero pequeno, aceitável. Estes sentimentos são mesmo capazes de afetar toda a nossa vida – para o bem ou para o mal – e o motor de todas as mudanças emocionais e comportamentais pelas quais passaremos nestas situações está no cérebro.

    Os cientistas acreditam no que pode ser demonstrado. Embora algumas pessoas ainda falarão, romanticamente, em termos impalpáveis como alma ou espírito, para os cientistas apenas uma coisa importa: mesmo que sua alma tenha encontrado a gêmea dela, no seu cérebro estará acontecendo “um monte de coisas”. 

    É sobre este “um monte de coisas” que falaremos a seguir.

    FENILETILAMINA – O AMOR À PRIMEIRA VISTA

    Uma molécula com oito átomos de carbono, 11 de hidrogênio e um de nitrogênio: C8H11N.

    feniletilamina
    feniletilamina

    Esta danadinha é capaz de te jogar nas nuvens, dando início à uma intensa paixão – e, como primeira peça de um complicado dominó, pode ser culpabilizada quando você está no fundo do poço.

    Obviamente, uma minúscula molécula apenas não será capaz de despertar a paixão de ninguém. Serão necessárias milhões delas. E, como já dito, quase nunca em um evento avassalador como uma paixão pode ser apontada apenas uma molécula ou apenas uma área cerebral envolvida. Mas precisamos culpar alguém e a feniletilamina é a primeira suspeita.

    Aliás, a paixão não é um evento que começa “do nada” em algum lugar obscuro do seu cérebro. Antes, foi preciso conhecer a outra pessoa – sua aparência, sua voz, seu cheiro, seu humor etc. Todas estas informações entraram no seu cérebro – e mais do que terem estimulado as áreas relacionadas à visão, olfato etc., estas informações foram analisadas, em outras áreas, emocionalmente: “Eu gostei desta pessoa!” O seu cérebro racional também foi acionado: “Ela é solteira? Sim! Então não devo evitá-la, posso continuar tranquilamente a abordagem? Sim!”

    Você provavelmente não se deu conta de tudo isto – e muito mais – acontecendo no seu cérebro. Talvez um ou outro sentimento ou pensamento parecido tenha surgido brevemente na sua consciência. Mas boa parte do processo de encantamento estava acontecendo, digamos assim, no seu subconsciente.

    Então aconteceu que tudo parecia perfeito: ela era bonita, bem humorada, solteira, mora próximo a você, vocês descobriram gostos em comum… E bum! A feniletilamina é liberada: você está apaixonado!

    Você quer mais desta pessoa. Quer mais tempo perto dela. Quer contato físico com ela. Quer namorar com ela. Você vai embora e não para de pensar nela.

    Neste momento, não é mais apenas a feniletilamina agindo. Ela deu início a vários eventos, em outras áreas do seu cérebro.  Sua memória e consciência, por exemplo, foram tomadas, como em um ataque súbito de um navio pirata: você fica revivendo aqueles primeiros momentos obsessivamente, tentando lembrar cada palavra dita, o rosto dela, o sorriso, aquele toque sutil que ela deu em seu braço etc. etc. etc.

    Você precisa trabalhar, mas não consegue se concentrar. Você coloca uma música alegre e começa a imaginar seu próximo encontro com ela, isto melhora ainda mais o seu humor. Você vai dormir e sonha com a pessoa…

    Não culpemos demais a feniletilamina, portanto. Se olharmos o antes e o depois do nascimento da paixão, veremos que a história é comprida e complicada e talvez ela nem seja o primeiro dominó dos eventos. Porém o seu papel é indiscutível. Sem a liberação da feniletilamina, é possível que você tivesse achado aquele primeiro evento agradável, apenas – e fosse embora pensando: “Acho que poderíamos ser bons amigos, pena que esqueci de pegar o telefone dela…” E a vida continuaria. Você trabalharia normalmente. Escutando uma música qualquer, ao fundo. À noite, você teria um sonho confuso em que apareceriam seu chefe, aquela pessoa que você conheceu, um primo distante, cavalos, números e uma tempestade. Você acordaria e se perguntaria: “Será que vai chover hoje? É melhor levar um guarda-chuvas…”

    A tempestade provocada no seu cérebro pela feniletilamina, caso você tivesse se encantado com aquela pessoa, geraria preocupações e comportamentos diferentes.

    A feniletilamina está presente em alimentos como o chocolate. E há quem pense que este pode ser um dos motivos de o alimento ser considerado, por alguns, um afrodisíaco.

    Esta história começa quando o espanhol Hernán Cortés descobre o Império Asteca, em 1519. Ela se encanta com uma mulher chamada doña Marina, que lhe dá uma bebida feita com cacau e pimenta. Os astecas chamavam o cacau de “chocolatl” – que significa “alimento dos deuses”. Segundo a mulher – que se tornaria amante de Cortés – a bebida “estimulava aventuras amorosas”.

    Cortés levou as sementes de cacau e a história para a Europa. Os europeus se encantaram com seu sabor – porém as freiras foram proibidas de consumi-lo, já que poderia desvirtuá-las…

    Se o chocolate tem ou não poderes afrodisíacos, é uma questão em aberto. Pode ser, por conta da presença de outras substâncias estimulantes, como a cafeína.

    Porém, as quantidades de feniletilamina são baixas – e a substância é em boa parte metabolizada, durante a digestão, sendo transformada em outras não relacionadas à paixão.

    Ervilhas, queijo e salsicha (cachorro-quente desperta o amor?) são uma fonte melhor de feniletilamina, mas tenho certeza de que sua namorada se sentirá mais estimulada ganhando um chocolate!

    Afinal, o tesão, o amor etc., embora tenham uma base biológica, também são alimentados por símbolos.

    PS 1: Sem querer quebrar o romantismo, mas já quebrando: o chocolate tem muito açúcar e gordura – e o seu cérebro te ensinou a amar alimentos assim. Portanto, libera dopamina quando vê um chocolate – mesmo que este não tenha formato de coração. A dopamina mexerá em outros circuitos cerebrais e o resultado é que ela ficará feliz com o presente. Os símbolos, portanto, só funcionam porque geram consequências físicas no seu cérebro. Se você duvida, dê uma lata de ervilhas a ela, invente uma boa história sobre como as ervilhas simbolizavam o amor nos tempos antigos, diga que esta lata é a prova do seu amor a ela – e observe seu rosto. Depois volte aqui para me contar a reação dela.)

    PS 2: Se, entretanto, a sua paixão é por uma estudante de Química, ela poderá gostar do seguinte presente: um caderno cuja capa tem, bordada, a fórmula da feniletilamina. Sim, isto existe e faz parte de uma coleção de cadernos chamada “A química do amor”![1]

    feniletilamina - caderno
    Diário de uma paixão

    Uma alga azul, descobriu-se, tem níveis muito elevados de feniletilamina e, como a substância tem algum efeito no nosso humor, a alga tem sido estudada como um possível antidepressivo natural, com resultados promissores.[2]

    As anfetaminas, drogas sintéticas, são parecidas com a feniletilamina. No tratamento do TDAH uma das substâncias mais comumente utilizadas é o metilfenidato (Ritalina®), também similar às anfetaminas – todas estas substâncias promovem um aumento de foco – e quando você está se apaixonando não conseguiria ver um gorila com um chapéu cor-de-rosa atravessando a rua de bicicleta enquanto estivesse olhando nos olhos daquela encantadora pessoa.

    Quando várias moléculas de feniletilamina são reunidas, elas ficam no estado líquido – assim, podemos dizer que seu cérebro está sendo banhado por uma “poção do amor”. (Quando expostas ao ar, viram um pó branco. Talvez tão viciante quanto “aquele outro”.)

    A feniletilamina, contudo, não é liberada apenas no amor. Exercícios físicos intensos causam um pico desta (e de outras substâncias, como as endorfinas), pico que foi associado à euforia sentida por pessoas que correm longas distâncias.[3] Algumas pessoas se “viciam” em corrida e o que é o amor, se não uma espécie de vício em uma pessoa?[4]

    A feniletilamina, entretanto, tem um efeito breve, sendo rapidamente metabolizada pelo organismo. Para que aquele estado inicial de euforia da paixão se mantenha, sua liberação tem de ser intensa e, talvez, continuamente estimulada – já que mesmo eventos aparentemente banais como um aperto de mãos com uma pessoa que acabamos de ser apresentados podem liberar um tantinho da substância. Ou ela tem de desencadear um efeito cascata, ativando a liberação de outras substâncias como endorfinas, noradrenalina e dopamina, que causam, entre outros efeitos, relaxamento, alegria e motivação – além de palpitação, inquietação etc. Toda moeda tem duas faces. Uma paixão pode ser estressante – aliás, costuma ser, ao menos até que a outra pessoa também seja uma “vítima” da feniletilamina e da cascata que ela dá início.

    Na verdade, a feniletilamina, no dia-a-dia, parece existir em uma baixa concentração em nosso cérebro. A sua venda como suplemento não foi aprovada nos Estados Unidos pelo risco de efeitos colaterais (taquicardia, ansiedade etc.), porém uma variante sintética da molécula é vendida ilegalmente, sendo utilizada por pessoas em busca da breve euforia que pode causar.[5]

    No momento da atração por alguém não necessitamos de suplementos – o nosso próprio cérebro produz mais e libera imediatamente o estoque da substância.

    Você encontrou alguém especial. Alguém que fez seus genes sussurrarem no seu ouvido: “Ei, vá lá, tenha um filho com esta pessoa!” Você não pode perder esta oportunidade! Seu cérebro detectou uma prioridade. E irá trabalhar intensamente, alucinadamente, para que você consiga o objetivo. Nada mais importa, agora!

    “Olhos nos olhos, quero ver o que você faz…”, diz a música de Chico Buarque. Um estudo colocou desconhecidos para se olharem nos olhos por dois minutos. Alguns relataram sentimentos positivos pela outra pessoa após a experiência. Adivinhe só? Houve liberação de feniletilamina! (Não apenas ela, nunca é demais lembrar! Por exemplo, também foi observado um pico de ocitocina, relacionada com o amor de longo prazo.) Um outro estudo encontrou que pessoas que se amam, enquanto conversam, olham nos olhos um do outro por cerca de 75% do tempo – enquanto pessoas que não têm este vínculo olham-se 30 a 60% do tempo.[6]

    E é por isto, talvez, que, mesmo sem entender as bases biológicas por trás de tudo isto, que “especialistas em sedução” reforçam a importância de você conseguir o contato visual com a pessoa que deseja seduzir. E talvez seja por isto que as mulheres mais tímidas ou “fazendo um joguinho” (inconsciente) fujam do olhar do “caçador”: “Vamos dificultar um poucos as coisas e ver se você está mesmo interessado em mim!”

    Vários estudos levaram à conclusão que a feniletilamina não é verdadeiramente um neurotransmissor – ela funciona mais como um modulador, isto é, uma substância que influencia a liberação de outras.

    Um trabalho[7] mostrou que a feniletilamina, entre outros efeitos, bloqueia o metabolismo da dopamina. Isto é, impede a dopamina de ser destruída. Assim, aumenta a sua concentração.

    Assim como chocolates não promovem o amor – a não ser simbolicamente e por outras vias que não o aumento da feniletilamina – a substância não é “a” culpada pela paixão ou pelo amor. Embora possa ser chamada de “molécula do amor à primeira vista”, ela é apenas uma faísca que acende o fogo. Fogo que, entretanto, não seria aceso sem ela!

    Para que ocorra um “incêndio” em nosso cérebro, entretanto, não basta que algumas áreas estejam em chamas – outras tem de estar silenciadas.

    No começo da paixão é necessário, por exemplo, calar a área de nosso cérebro relacionada ao medo, a amígdala. Mais importante ainda talvez seja silenciar a área responsável por um julgamento racional.[8] De outra forma, veríamos não só que aquela pessoa não é diferente assim de tantas outras como ainda veríamos seus defeitos.

    Mas não! Se esta área nunca fosse calada, talvez nunca nos apaixonássemos por ninguém! Talvez ainda fizéssemos sexo por aí. Porém nunca formaríamos laços duradouros e os bebês seriam criados sem pais, diminuindo a chance de sobrevivência. O amor, portanto, exige uma forma de cegueira e é por isto que muitos o comparam a uma espécie de demência. Blaise Pascal, filósofo francês que viveu no século 17, disse de uma maneira mais poética: “O amor tem razões que a própria razão desconhece.”


    REFERÊNCIAS:

    [1] Chemistry of love | Phenylethylamine – Fox Craft | Paper Lovers

    [2] Sustained antidepressant effect of PEA replacement – PubMed (nih.gov)

    [3] Phenylethylamine, a possible link to the antidepressant effects of exercise? – PubMed (nih.gov)

    [4] Addicted to love: What is love addiction and when should it be treated? – PMC (nih.gov)

    [5] What Is Phenethylamine? | Banyan Chicago (banyantreatmentcenter.com)

    [6] The Look of Love: The Role of Eye Contact in Human Connection | CooperVision

    [7] Presynaptic inhibition by dopamine of a discrete component of GABA release in rat substantia nigra pars reticulata – PubMed (nih.gov)

    [8] (PDF) The Neurobiology of Love (researchgate.net)