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OCITOCINA, O “HORMÔNIO DO AMOR”

    Boa parte do que sabemos sobre a ocitocina ser o “hormônio do amor” vem de estudos com o arganaz-do-campo (ARC) [1].

    Estes animais são roedores de cerca de 12 centímetros de comprimento, endêmicos nos Estados Unidos – uma praga que prejudica a vida de muitos agricultores.

    Na década de 1980, tentando entender o comportamento destes animais para poder  ajudar aos agricultores, Lowell Getz, junto com sua auxiliar Sue Carter, observou algo curioso: suas armadilhas comumente pegavam casais.

    Os animais eram marcados e soltos – e frequentemente as armadilhas pegavam os mesmos casais. Isto é, aparentemente os arganazes do campo formavam pares estáveis, monógamos.

    Isto era muito interessante porque a monogamia, entre roedores, é bem rara – e, entre mamíferos, só é observada em 3 a 5% das espécies.

    Lowell e Sue começaram a observar melhor o comportamento destes animais.

    E viram que realmente eles agiam de forma bem distinta de outros parentes, como o  arganaz-do-prado (ARP) e o arganaz-da-montanha (ARM).

    Fêmeas de outros roedores costumam entrar no cio a cada quatro dias. Já a fêmea do ARC só entra no cio após o macho cortejá-la por um ou dois dias, com carinho, danças etc. O “cheiro” dele (feromônios) a excita (provoca a liberação de estrogênio) e ela se torna receptiva.

    Já no caso dos ARP… O macho percebe o cio da fêmea e a seduz brevemente. Acasalam-se, ele vai embora. Ela cuidará dos bebês sozinha – e geralmente cuidará mal, abandonando-os após duas semanas. Ou seja, não há formação de apego entre o casal e mesmo o apego entre a mãe e o filhote é fraco. A fêmea irá se acasalar com outros machos; o macho irá procurar outras fêmeas. ARP são, portanto, promíscuos (em Biologia, esta palavra não tem o mesmo peso moral condenatório que em nossa cultura).

    Já a fêmea do ARC é uma ótima mãe e, além disto, o macho permanece a seu lado. A fidelidade da fêmea é exemplar: mesmo após a morte do “marido”, comumente ela permanece “viúva” pelo resto da vida, sem ceder aos apelos de outros machos.

    Mesmo antes de se acasalarem, machos e fêmeas virgens de ARC são sociais – estão sempre em contato uns com os outros, embora sem formar vínculos tão fortes quanto após o acasalamento. Isto é, os virgens formam “amizades”.

    Embora os arganazes tenham servido de modelo ou esperança para humanos defensores da monogamia, a realidade é que mesmo os arganazes-do-campo nem sempre formam pares sexualmente monógamos, apesar da monogamia afetiva, social. Isto é, às vezes eles “pulam a cerca”.

    Assim como os humanos.

    Tentando entender melhor o peculiar comportamento dos arganazes-do-campo, em 1994 Sue Carter realizou uma experiência que ficaria muito famosa.

    Algumas fêmeas de ARC pareciam não se interessar por sexo. Sue injetou ocitocina em seus cérebros. Elas continuaram a não querer sexo – porém, passaram a formar vínculos com os machos que as cortejavam, mesmo sem copularem!

    Apesar da aparente simplicidade do trabalho, este colocou a ocitocina sob os holofotes e se tornou a base para todo o campo de pesquisa biológica do apego.

    Experiências seguintes realizadas por Larry Young, Zouxin Wang e Thomas Insel ajudaram a esclarecer melhor a ação da ocitocina.

    Já se sabia que a substância era fundamental para a formação de vínculo entre mães e filhos. Os pesquisadores pensaram que o cérebro dos ARC deveria produzir mais ocitocina que o dos ARP. Descobriram que não!

    Os neurônios que emitem ocitocina se originam no hipotálamo, especialmente no núcleo paraventricular – e se espalham para diversas regiões do cérebro. Esta anatomia, descobriu-se, é similar em ARC, ARP, ratos, camundongos… Mas os ARC possuem muito mais receptores para a substância, especialmente no córtex pré-frontal e no núcleo acumbente – esta última área, envolvida também na recompensa obtida ao se cuidar de um bebê… ou ao cheirar cocaína!

    Em um trabalho, os cientistas bloquearam os receptores de ocitocina de algumas fêmeas de ARC e as colocaram, assim como colocaram também fêmeas sem bloqueadores de ocitocina, em contato com machos – e eles tiveram relações sexuais.

    Após 24 horas, os casais foram separados. Um tempo depois, as fêmeas foram colocadas, uma a uma, no meio de uma caixa – de um lado, estava um macho desconhecido; do outro, o macho com o qual ela havia se relacionado antes. As fêmeas cuja ocitocina foi bloqueada não conseguiram se decidir com qual macho permanecer; as sem bloqueio de ocitocina passaram mais do que o dobro do tempo com o “namorado” do que com o macho que era novidade.

    Larry Young, com Healther Ross, fez outro experimento. Dosou a ocitocina de fêmeas que puderam ter contato próximo com machos, porém separados por uma grade. Houve pouca elevação da substância.

    Quando a grade foi retirada, vários destes casais copularam. A ocitocina foi novamente dosada e em 40% das fêmeas se elevou significativamente.

    Ou seja, a liberação da oxitocina parece depender bastante da ocorrência de relações sexuais, bem mais do que da simples proximidade.

    Embora os estudos iniciais tenham se concentrado nas fêmeas e na ocitocina, estudos subsequentes, nos machos, mostraram que, no cérebro deles, o apego era induzido principalmente por uma substância parecida com a ocitocina, a vasopressina.

    Em resumo, estes trabalhos mostraram que:

    – o contato sem sexo não libera grande quantidade de ocitocina, nas fêmeas;

    – a ocitocina artificialmente aumentada não provoca o desejo sexual;

    – mesmo sem sexo, se a ocitocina for artificialmente aumentada, há formação de vínculo;

    – se a ocitocina é bloqueada e há sexo, não se forma vínculo;

    – se a ocitocina não é bloqueada e há sexo, forma-se o vínculo;

    – várias espécies fabricam grandes quantidades de ocitocina, porém poucas formam vínculos – a monogamia depende da quantidade de receptores em algumas áreas cerebrais.

    A conclusão ainda mais simplificada de tudo isto é: a ocitocina (nas fêmeas) ou a vasopressina (nos machos) é liberada durante as relações sexuais e ela é responsável pela formação do vínculo entre o casal, em espécies que possuem muitos receptores cerebrais para a substância em determinada área do cérebro.

    Contudo, obviamente, como sempre, o “amor”, como qualquer outro sentimento complexo, não depende de apenas uma substância ou área cerebral – mesmo em bichinhos aparentemente tão simples quanto os arganazes-do-campo…

    Zouxin realizou experiências envolvendo o aumento de receptores de dopamina e demonstrou que o neurotransmissor também ajudava a formar vínculos.

    O sexo aumenta em cerca de 50% a produção de dopamina no cérebro dos ARC.

    Mas mesmo fêmeas que passavam apenas seis horas com um macho, tempo geralmente não suficiente para a formação de vínculo, se mostravam apegadas, após o estímulo aos receptores de dopamina, mesmo se não tivessem uma relação sexual.

    A dopamina, necessário lembrar, também faz parte da criação do vínculo mãe-filho.

    Por fim, Larry descobriu mais uma substância responsável pelo “amor”: os opioides, liberados durante o sexo e responsáveis pelo pico de prazer.

    Quando receptores opioides foram bloqueados no cérebro de fêmeas ARC, elas ainda realizavam sexo – porém não formavam vínculo, depois.

    Em resumo, a teoria bioquímica do amor nos diz que: a ocitocina facilita a aproximação; os opioides geram o prazer; a dopamina ajuda o cérebro a aprender quem causou este prazer.  

    Há mais de um século já sabíamos de alguns efeitos da ocitocina, como induzir contrações uterinas, durante o parto, e auxiliar na liberação do leite materno.

    Estudos posteriores demonstraram que a substância, em interações sociais, contribui para aumentar a confiança que temos em outras pessoas. Pesquisas com animais mostraram o mesmo efeito.

    Níveis da substância, em mães e pais recentes, foram correlacionados a quanto os genitores eram ligados ao bebê, incluindo falar em “linguagem de bebê”, mas especialmente com o contato físico.

    Por conta de todos estes efeitos da molécula em nossos comportamentos, o economista Paul Zak chamou a ocitocina de “a molécula moral”, por seus efeitos positivos na empatia.

    Assim, têm sido desenhados alguns estudos para verificar se a ocitocina pode ajudar no tratamento de situações como o autismo.

    Empresas começaram a vender o ocitocina inalável, na forma de sprays custando algumas dezenas de dólares, propagandeando coisas como “o fortalecimentos das relações no ambiente de trabalho”. Sim, as moléculas de ocitocina, através dos vasos sanguíneos do nariz, atingem nosso cérebro.

    A ocitocina também foi vendida como uma espécie de turbinador da capacidade de sedução, por aparentemente aumentar a nossa autoestima.

    Não há estudos , entretanto, que comprovem de forma clara a real utilidade da ocitocina para estes fins – menos ainda trabalhos que mostrem a consequência do uso da substância por longo prazo.

    A ocitocina, além disto, tem seu lado obscuro, estando longe de poder ser chamada simplesmente de “molécula do amor”.

    Um trabalho demonstrou, por exemplo, que ela promove o etnocentrismo, a xenofobia: sentimentos favoráveis a respeito do nosso, grupo, às custas de sentimentos negativos sobre um grupo vizinho, aumentando a probabilidade de violência contra nossos supostos “inimigos”.

    Em outro estudo, a ocitocina foi correlacionada à inveja.

    Além disto, a ocitocina também foi vinculada à formação de memórias relacionadas a eventos negativos, aumentando a intensidade destes.

    Assim, conclui Larry Young: “A ocitocina não é o o hormônio do amor. Ela nos sintoniza com nossas interações sociais e nos permite analisá-las de uma forma amplificada.”

    O que é uma conclusão assustadora! Talvez não devêssemos odiar tanto nossos inimigos – e nem gostar tanto de quem gostamos! O que aparentemente nosso cérebro está tentando fazer é simplificar o nosso julgamento de forma maniqueísta: “Se esta pessoa parece mais boa do que má, vamos rotulá-la como ‘ótima’; se parece mais má do que boa, vamos logo classificá-la como ‘péssima’…”

    Nosso cérebro *constrói* uma “realidade”. A verdadeira realidade nos  é inacessível.

    *

    Como a ocitocina parece promover a empatia e o amor, seu uso foi testado em terapias de casal.

    Adam Guastella, psicólogo e pesquisador, descobriu que a ocitocina, em um teste, nos fez lembrar mais de rostos felizes do que de rostos neutros ou tristes. Outros pesquisadores mostraram que a substância faz com que identifiquemos mais facilmente a emoção expressa por outras pessoas.

    Ruth Feldman, psicóloga que estudou o papel da ocitocina entre pais e mães e filhos, avaliou também a liberação da substância na fase da paixão.

    O que ela descobriu, além do esperado maior nível da substância, em comparação aos solteiros, foi que o nível observado no começo da relação, além de correlacionado com quanto o casal estava realmente envolvido, também predizia, com bom grau de acerto, quais casais estariam juntos após alguns meses ou não.

    A pesquisadora observou, em casais com níveis mais altos de ocitocina, que eles “completam as frases um do outro, riem juntos, se tocam mais”.

    O aumento de ocitocina na fase da paixão, segundo Ruth, foi o maior que já observou – sendo o dobro da observada em grávidas.

    A cientista aponta, contudo, que seu estudo não permite esclarecer se a ocitocina é que levou ao vínculo entre os casais ou se a falta de conexão entre alguns é que não liberou ocitocina suficiente para a criação do vínculo. Isto é: a ocitocina cria ou é resultado da conexão entre um casal?

    O pesquisador Adam Guastella tem uma opinião definida: a ocitocina não é capaz de criar uma conexão onde esta não existe. 

    Beate Ditzen, terapeuta de casais e cientista, fez pares inalarem ocitocina e discutirem questões sensíveis. A comunicação entre eles melhorou e o cortisol. hormônio do estresse, reduziu.

    Hasse Walum, em 2012 então um simples estudante de graduação, liderou um estudo bombástico (segundo os jornais): a fidelidade feminina pode ter bases genéticas, ligadas à ocitocina.

    Analisando a genética de milhares de gêmeos suecos, encontrou uma variação no gene que codifica os receptores de ocitocina (mais exatamente, uma variante nomeada rs7632287) que estava associada à qualidade do relacionamento das mulheres. As que possuíam a variante beijavam menos seus parceiros e queriam menos contato físico com eles.

    Na verdade, a variação esteve associada até mesmo com problemas na infância enfrentados pelas portadoras.

    (Em homens, efeito similar seria observado na variação de um gene que codifica receptores de vasopressina.)

    Ruth Feldman, também estudando a genética, encontrou que variações do gene que estavam correlacionadas com menor empatia para com o parceiro.

    A pesquisadora conclui que talvez não exista apenas uma mão única. A ocitocina pode nos predispor a uma maior abertura e relações melhores aumentam a ocitocina – criando uma espiral positiva.

    Mas não produziríamos ocitocina à toa, se ela não tivesse onde agir… Onde estão os receptores de ocitocina nos arganazes que não forma vínculos? Uma das regiões que possui uma maior densidade destes receptores é a amígdala – relacionada ao medo.

    Isto pode explicar o “apego evitativo” de algumas pessoas… (Entenda que isto é apenas uma simplificação absurda que visa apenas salientar a existência do “cérebro fiel” e do “infiel”.)

    Ainda sobre a fidelidade e a ocitocina, um estudo muito interessante foi realizado. Pesquisadores colocaram homens comprometidos e solteiros para interagir com uma mulher bonita. A alguns homens foi ministrada, antes do contato, a ocitocina nasal.

    Os comprometidos que receberam a ocitocina ficaram mais distantes da mulher – deixando-a de fora do chamado “espaço pessoal” – do que todos os outros homens, embora ainda a achassem igualmente atraente.

    Outro estudo mostrou que, a ocitocina aumentou a atratividade do rosto da parceira,  mas não de pessoas da família, amigas ou desconhecidas.

    Cálculos feitos, até 40% da infidelidade de uma pessoa pode ser explicada pela genética – aliás, este parece ser mais ou menos o “número de ouro” para a relação entre qualquer comportamento e nossos genes – o resto depende da criança, ambiente etc. E boa parte destes 40% está relacionada a genes que codificam receptores de ocitocina e vasopressina.

    O resumo de tudo isto, de todas estas pesquisas, pode ser assim sintetizado: a ocitocina talvez seja a molécula que nos retire de nosso narcisismo, egocentrismo e solipsismo (a crença de que, no mundo, apenas eu existo). Ela nos faz olhar para fora, para outras pessoas, com um olhar atento. Ela não irá criar nossas impressões por estas pessoas, porém irá intensificá-las. Embora possa intensificar reações negativas, a ocitocina parece especialmente eficaz em intensificar as positivas, “explodindo” durante a paixão. Este seu efeito melhora nos relações com nosso parceiro, o que ajuda com mais ocitocina seja liberada, criando uma espiral ascendente.

    Por outro lado, se o início do relacionamento é frouxo, ocitocina suficiente não é liberada e o grau de intimidade não avança – e em poucos meses é possível que o casal já tenha se separado…

    Contudo, “forçar” o vínculo talvez não tenha muito efeito. O grau inicial de “frouxidão” ou intensidade inicial de um relacionamento parece estar relacionado a variações genéticas que codificam a quantidade de receptores para a ocitocina que possuímos em algumas regiões do cérebro.


    [1] Prairie vole, em inglês – o que também poderia ser traduzido como “arganaz-da-pradaria”. Há uma certa confusão entre as definições de “campo”, “prado”, “pradaria” etc. que só geógrafos podem esclarecer. Aqui optamos por traduzir “prairie” como “campo” para simplificarmos o entendimento.