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O SURGIMENTO DO APEGO

    CAP. 8 – A TIRANIA DO AMOR (Evolução da ligação e vícios do amor)

              “Nunca estamos tão indefesos contra o sofrimento quando como estamos amando.” Freud.

              A paixão atinge a todos – de plebeus a reis. Porém passa. Pode nascer o que a psicóloga Elaine Hatfield chama de “amor companheiro”. Que talvez tenha uma base cerebral distinta.

              O Ocidente venera a paixão, que os gregos chamavam de “loucura dos deuses”. O desejo sexual também é colocado em um altar. Porém o amor duradouro não é tão incensado.

    – Amor companheiro

              O estudo do amor começou com um psiquiatra britânico, John  Bowlby, e uma psicóloga americana, Mary Ainsworth, que propuseram que, para promover a sobrevivência dos infantes, primatas evoluíram um sistema inato de apego.

    – Hormônios da satisfação

              Ratazanas de pradaria (ver cap. 2) se atraem por parceiros específicos e 90% formam pares que duram a vida toda. Quando machos ejaculam, a atividade de vasopressina em determinadas regiões do cérebro aumenta.

              Quando cientistas injetaram vasopressina em machos virgens, estes machos começaram a defender território, imediatamente. Quando foram apresentados a uma fêmea, tornaram-se imediatamente possessivos sobre ela.

              Por outro lado, quando a vasopressina é bloqueada, após copular um macho sai em busca de outras fêmeas.

              Quando ratazanas do prado, que não formam pares de longa duração, foram infectadas artificialmente com um vírus que carregava o gene para a produção de receptores de vasopressina, estes animais passaram a formar pares duradouros.

              Homens com genes relacionados à transmissão de vasopressina tendem a ser mais fiéis. A autora suspeita que este circuito evoluiu em nós há alguns milhões de anos, talvez com Lucy.

              *

              Como a vasopressina, a oxitocina, ubíqua na natureza, é produzida no hipotálamo. E ao contrário da vasopressina, é lançada em todas as fêmeas de mamíferos durante o parto.

              Ela inicia as contrações do útero e estimula a produção de leite. E a ligação da mãe com o filho.

              Há evidência crescente de que a substância também exerça o papel na formação de pares de longa duração.

              Durante o orgasmo, há um pico de produção da substância, tanto em homens quanto em mulheres.

    – A rede do amor

              A autora acredita que evoluímos três sistemas distintos.

              A luxúria é associada com a testosterona, em homens e mulheres.

              O amor romântico, com a dopamina, e talvez com a noradrenalina e baixa atividade de serotonina.

              O apego profundo com os neuropeptídeos ocitocina e vasopressina.

              Os três são mecanismos de sobrevivência, correndo em circuitos primitivos da mente humana.

              *

              Seria uma bela sinfonia, se com frequência estes três sistemas não entrassem em desacordo. Você pode realmente amar sua esposa – enquanto sente-se apaixonado por sua secretária – e ainda assim sentir tesão em outras.

    – Ciúmes

              “O monstro de olhos verdes que zomba da carne de que se alimenta.” Assim Shakespeare definiu o ciúme.

              Pesquisas nos Estados Unidos mostram que homens e mulheres têm a mesma tendência a sentir ciúmes. Porém cada sexo lida de maneira diferente com o sentimento. As mulheres estão mais propensas a fingir indiferença. Também estão mais inclinadas a tentar seduzir ou tentar discutir e entender a situação. Os homens, a desafiar seus rivais ou parecerem mais importantes ou a seduzir as amadas com presentes. Os homens também estão mais inclinados a largar o parceiro.

              Em ambos os sexos, aqueles que sentem inseguros ou muito dependentes tendem a ser mais possessivos.

              Em 66 culturas, Jankowiak e Hardgrave encontraram que 88% dos homens e 64% das mulheres já reagiram com violência ao se sentirem traídos.

              Em animais, a possessividade é tão comum entre mamíferos e pássaros que os etologistas chamam o comportamento de “guarda do parceiro”.

    – Guarda do parceiro

              Gibões, machos ou fêmeas, tentam expulsar os animais do mesmo sexo de seu território.

              O antropologista David Barash colocou um macho falso de pássaro azul (bluebird) próximo a um casal que construía o ninho. O macho brigou com o pássaro falso e com sua fêmea. Ela foi embora e dois dias depois uma nova fêmea chegou.

              Há uma lógica genética no ciúme. Animais machos possessivos provavelmente passam seu DNA adiante mais frequentemente. Fêmeas garantem proteção e recursos. Pois tenta prevenir a infidelidade feminina e a deserção masculina.

              A substância mais provavelmente envolvida com o ciúme é a vasopressina.

              Talvez o pior de todos os sentimentos, entretanto, seja o do abandono.

    – Adictos ao amor

              George Bernard Shaw: “Quando queremos ler sobre os feitos do amor, para onde nos voltamos? Para a coluna de assassinatos.”

              Paixão e amor são vícios, para a autora. Que vão muito bem quando tudo vai bem – embora os sintomas sejam intensos e possam até perturbar a rotina do afetado.

              Os problemas começam com a rejeição – e os sintomas de abstinência: choro, ansiedade, distúrbios do sono, do apetite etc. Por muito tempo, diversos eventos servem de gatilhos à memória.

    – O vício positivo do amor feliz

              Como os vícios estão associados a coisas ruins, geralmente os cientistas não veem o amor como um vício.

              Os neurocientistas Andreas Bartels e Semir Zeki compararam os cérebros de amantes felizes com os de viciados eufóricos, logo após injetarem cocaína. Muitas regiões ficaram ativas nos dois grupos.

              Nos dados da autora, especificamente o nucleus accumbens estava ativo em apaixonados – área ligada ao craving por cocaína, nicotina, álcool, etc., além de apostas, sexo e comida.

               Lucy Brown, parceira no estudo, propõe que o amor seja um “vício natural”, um “estado alterado normal”, experenciado por quase todos os humanos.

    – O vício negativo do cérebro rejeitado

              A autora e colegas, utilizando fMRI, estudou 15 pessoas recentemente rejeitadas (em média há dois meses), todas com altos scores na Escala do Amor Apaixonado. Todas diziam passar mais de 85% de seu tempo pensando na pessoa que a abandonou. Todas queriam esta pessoa de volta.

              As áreas ativadas apareceram em várias regiões do sistema de recompensa. Como a área tegmentar ventral, associada com sentimentos de paixão; pallidum ventral, associado ao amor; córtex insular e cingulado anterior, associado à dor física, ansiedade; nucleus accumbens e córtex orbitofrontal/pré-frontal, associada a avaliações de perdas e ganhos.

              Muitas destas áreas também estão associadas ao craving por drogas.

              Cerca de 95% das pessoas, de ambos os sexos, em uma pesquisa admitiram já ter sido rejeitados.

              A rejeição segue um padrão. Primeiramente, há uma fase de “protesto”. Quando chega o desespero/resignação, a depressão se instala. Ambas estão ligadas a sistemas dopaminérgicos.

    – A fase do protesto, na rejeição

              Quando uma recompensa é adiada, o sistema dopaminérgico permanece alerta.

              Muitos rejeitados também  podem sofrer de sentimentos de raiva, mesmo quando o parceiro parte com gentileza. O sistema de raiva é proximamente conectado aos centros do córtex pré-frontal que antecipa a recompensa. Se a recompensa parece perdida, estes centros ativam a amígdala, que dispara a raiva.

              Respostas semelhantes, a expectativas não cumpridas, são observadas em outros mamíferos.

              Na verdade, um estudo de Bruce Ellis, com 124 casais, mostrou que paixão e raiva agem em parceria, reagindo a diferentes tipos de informação. Uma declaração de amor estimula a paixão; uma situação suspeita eleva a raiva.

              O sistema talvez tenha evoluído em resposta a qualquer tipo de rejeição social. Ratos bebês isolados emitem choro incessante e dificilmente dormem.

              Como as dependências de drogas, a rejeição pode levar à violência.

    – Resignação/desespero

              Um estudo com 114 pessoas abandonadas há até oito semanas mostrou que 40% deles apresentava sintomas depressivos.

              Algumas pessoas se matam. Outras podem morrer de infarto.

              Circuitos dopaminérgicos são os mais envolvidos, provavelmente. Enquanto percebemos que o parceiro não voltará, as células produtoras de dopamina no sistema de recompensa diminuem sua atividade, levando à letargia.

              O stress de longo prazo suprime a atividade da dopamina e noradrenalina, levando à depressão. (Stress de curto prazo aumenta a atividade destes NTs.)

              *

              A natureza não terá exagerado?

              Além de todas as perdas óbvias, podemos estar perdendo até oportunidades reprodutivas, enquanto sofremos.

              Porém o sofrimento pode ser adaptativo. Na fase de protesto, pode nos motivar a recuperar o perdido. Na da raiva, talvez ao nos deixar mal vistos por outras pessoas, nos force a procurar por alguém novo. O desespero, para enviar sinais claros a parentes e amigos, de que precisamos de ajuda. A depressão nos faz enxergar com mais clareza a realidade e planejar melhor o futuro.

    – O “deixar ir” do amor

              O sociólogo Robert Weiss estudou 150 pessoas abandonadas, em grupos de autoajuda. Descobriu padrões.

              Primeiramente, há o choque, que dura até umas duas semanas.

              Então a realidade começa a se instalar. Ele ou ela se foi mesmo. Começa a fase de transição. O tempo fica “estranho” – não sabemos o que fazer com ele. Vários sentimentos se alternam – incluindo euforia e liberdade. Álcool ou psiquiatras são buscados. O relacionamento começa a ser revisto – obsessivamente. Algumas vezes esta fase chega a durar um ano.

              Vem a fase da recuperação. Novos amigos, interesses, uma nova identidade quase.

              O processo inteiro leva de dois a quatro anos – com a média mais próxima a quatro.

              O amor dura quatro anos, a recuperação também. Talvez tenhamos evoluído um sistema cíclico.

    – Viciados (junkies) em romance

              Das quatro personalidades vistas no cap. 2, talvez os Exploradores estejam mais vulneráveis a se tornarem “romance junkies”. Mais dificuldades para se envolver em relacionamentos únicos, mais aptos à infidelidade, mais predispostos a abandonar, em busca de nova sensação.

    – Junkies do apego

              Construtores podem ser mais predispostos ao amor, ao vício no amor. Como são seguidores de regras, estão mais propensos a continuar em uma relação defunta.

    – Junkies da violência

              Os Diretores resolvem. Podem estar mais predispostos à perseguição e violência, incluindo suicídio.

              Após a rejeição, homens são mais prováveis de stalkear a ex-parceira. E cometem suicídio duas vezes mais.

    – Junkies do desespero

              Negociadores podem estar mais susceptíveis à ruminação patológica, depressão e tentativas de suicídio.

              As mulheres relatam mais depressão severa – e tendem mais a falar sem parar do assunto.

    – Amor animal

              Pássaros e mamíferos possuem hipotálamo. Que mudou muito pouco nos últimos 70 milhões de anos. Animais sentem desejo.

              O sistema límbico é rudimentar em répteis. Mas bem desenvolvido em pássaros e mamíferos. Estes animais são capazes de sentir alegria e terror, portanto.

              As vias gerais de dopamina, vasopressina e ocitocina – lincadas à atração e apego – estão presentes nas ratazanas de pradaria e em nós.

              O mais revelador: nenhuma criatura neste planeta fará sexo com qualquer outra que encontre por acaso. Alguns parceiros são selecionados – mesmo que em breve duração. Outros serão rejeitados.

              Lucy certamente amou.