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MOTIVAÇÃO E DETERMINAÇÃO

    [resumo do capítulo 7 do livro “Emocional – A nova neurociência dos afetos”, de Leonard Mlodinow]

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    Em 1990, o mundo aguardava o confronto entre Mike Tyson e Evander Holyfield. Antes entretanto, Tyson lutaria contra o azarão James “Buster” Douglas – as casas de apostas pagavam 42:1 para quem quisesse arriscar em Douglas.
    No 10o assalto, após quase ser massacrado no 8o, Douglas nocauteou Tyson.
    O choque foi resultado foi assunto por vários dias.
    Douglas ganhou, então, 20 milhões para enfrentar Holyfield – foi nocauteado no 3o assalto e logo desistiu do boxe.
    Douglas atribuiu aquela vitória inacreditável à morte precoce da mãe, ocorrida três semanas antes. Ele poderia ter desistido da luta. “Mas ela iria querer que eu continuasse de pé.”

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    Muhammad Ali dizia fazer apenas “nove ou dez” flexões. Pois só contava quando começava a doer.
    Comumente há barreiras no caminho para nossos objetivos. É a determinação que nos faz vencer estas barreiras.
    Até 1954, pensava-se que seria impossível alguém correr 1,5 km em menos de 4 minutos. Até que Roger Bannister, um estudante de Medicina, fez a prova em 3:59.4. Um mês depois outro atleta correu em 3:58.

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    O oposto determinação do boxeador que venceu Tyson foi vista em um estranho caso ocorrido em 1957, quando um garoto chamado Armando, até então normal, após uma operação para remover um tumor cerebral, ficou totalmente apático. Literalmente “totalmente”: nem se fosse colocado em uma posição incômoda, ele se importava. Se colocassem comida na sua boca, elel engolia – sem nem mesmo mastigar.
    Quando, entretanto, seu cérebro começou a desfazer do inchaço pós-cirúrgico, ele voltou ao normal.

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    Em um nível mais primal, um dos propósito de todas as emoções, inclusive nos animais, é propiciar um recurso psicológico para perseverar.
    Como animais, temos uma programação primária: sobreviver e reproduzir. Mas também uma secundária: fugir de riscos e buscar recompensas.
    A determinação apoia nossa diretriz primária. E, como toda emoção, tem um caráter mental (boxeador) e um físico (garotinho). Os dois componentes estão profundamente interligados.
    A maioria dos processos mentais é distribuída por várias regiões do cérebro. Até há pouco tempo não se sabia se poderia ser possível identificar uma área responsável pela motivação, por isto a descoberta de 2007 foi surpreendente: um conjunto de circuitos que controlam a parte “física” (cerebral) da determinação. Este conjunto compreende duas redes: a de saliência emocional RSE e a rede de controle executivo.
    A RSE se situa na linha mediana do cérebro e está ancorada em pequenos nós em estruturas límbicas, como a ínsula, o córtex cingulado anterior e a amígdala.
    A RCE inclui áreas do córtex executivo pré-frontal, envolvido na atenção e na memória de trabalho.
    Quando as tecnologias de mapeamento do cérebro surgiram, na década de 1990, pensou-que rapidamente teríamos um mapa simples do cérebro. Foi o contrário: a complexidade era enorme.
    Uma das surpresas foi o tanto de sub-estruturas dentro de áreas que pareciam únicas.
    Os mapas que começaram a surgir mais pareciam um espaguete…
    Hoje acredita-se que pouquíssimas funções (se é que alguma) aconteçam em uma área específica. Sim, se pode criar um efeito específico estimulando ou interrompendo determinada região, mas provavelmente porque interferimos em uma rede.
    A RSE monitora nosso ambiente – interno e externo – e registra o que é importante. Temos de filtrar entre os milhares de inputs e agir (ou não) com base nos que são pessoalmente valiosos, diz William Seeley, um dos descobridores da rede.
    A RCE mantém-nos focados no que é relevante para nossos objetivos. Ela entra em ação assim que a RSE é ativada.
    Em 2013, uma equipe tentava localizar o foco da epilepsia de um paciente. A área só seria queimada se não prejudicasse-o. Ao estimular uma área, ele disse estar sentindo “determinação”.
    Como se estivesse frente a uma serra em uma tempestade. “Siga em frente, força, mais força!”
    Determinação como a do boxeador, porém sem contexto algum!
    O paciente não sentia o mesmo se o eletrodo era aplicado um pouco para o lado. A área era minúscula. Em outro paciente, foi encontrada no mesmo local. A área “da perseverança”, conforme disse Josef Parvizi, principal autor do estudo – que se disse assustado como um estímulo tão pequeno em uma área tão pequena poderia causar uma virtude tão complexa e tão humana.
    A RSE se conecta não apenas com a RCE, mas também com áreas ligadas a respostas fisiológicas.
    Um medicamento betabloqueador pode reduzir a atividade da RSE e reduzir a verve, levando à letargia. ^rede-de-saliencia

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    Em 2017, um experimento demonstrou que a motivação também poderia ser induzida.
    Roedores foram colocados, de par em par, em um tubo estreito, um de frente para o outro. Um teria de ceder e recuar, para que o outro saísse. Após vários enfrentamentos, separou-se os “acovardados” dos “determinados”.
    Com uma tecnologia chamada optogenética, enviavam pulsos de laser para o cérebro do rato, na área da determinação. Agora, mais de 80% dos perdedores venceram a revanche.
    Parvizi: “Diferenças inatas podem ser identificadas na infância. E modificadas por medicamentos, terapia comportamental ou estimulação elétrica.”
    Vários estudos foram feitos e duas técnicas não-agressivas se destacam.
    Exercícios aeróbicos, 15 minutos por dia, já melhorar o controle da função executiva. O exercício aumenta o BDNF, fator neurotrófico derivado do cérebro, que ajuda a criar conexões entre os neurônios. Em animais, o aumento de BDNF diminuiu a depressão e aumentou a resiliência.
    Obviamente, pessoas com baixa determinação podem não se sentir motivadas a praticar exercícios – porém começar pode gerar uma bola de neve.
    Outra maneira é a prática da atenção plena. Duas semanas de treinamento, com fumantes, levaram à impressionante redução de 60% do consumo de cigarros. Exames de imagem mostraram aumento da atividade da RCE.

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    O afeto central é bem primitivo e divide as experiências em boas, neutras ou más. Então vieram o medo, tristeza, fome, dor etc. Nos humanos, sentimentos sociais como orgulho, ciúme, culpa etc.
    A interação entre todos os níveis nos gera o impulso de agir e perseverar. Nós humanos podemos decidir, com base na nossa avaliação de uma situação nova, sem precisarmos responder com gatilhos pré-determinados.
    Cada um de nós tem um nível básico de determinação e um teste foi desenvolvido para medir este nível. Um funcionamento apático não é visto só em doenças, mas em milhares de pessoas que passam o dia passivamente diante da televisão…
    A pontuação normal no tal teste é 24 pontos, sendo 18 o mínimo. Quanto mais alta, pior. Cerca de 66% das pessoas ficam entre 6 da pontuação média de sua faixa etária. Na casa dos 60 anos, chega a 28. Na depressão, chega a mis de 40 e, no Alzheimer, a quase 50.

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    Na demência fronto-temporal, a degradação da RSE pode levar a apatia extrema.
    Outro fator insuspeito na perda de determinação é a privação do sono.
    Estudos mostram atividade importante, no sono REM, nas estruturas que abrigam os nós da RSE. Aparentemente, há uma “reinicialização”.
    Entre um terço e metade dos participantes de um estudo descreveram sonhos que refletiam preocupações diurnas – e como nem todo sonho é lembrado, supõe-se que na maioria das noites reelaboramos estas angústias.
    Outro estudo mostrou que uma noite sem sono aumenta a reatividade da amígdala em 60%, em resposta a imagens negativas.
    Ansiedade, raiva e agressividade já foram associadas à privação de sono.
    Podemos ter desejos complexos como escrever um romance, mas sem determinação não temos coragem nem mesmo para escovar os dentes…