Pular para o conteúdo

SOBRE MENINOS-LOBOS, OS GANSOS DE KONRAD LORENZ E A TEORIA DO APEGO DE JOHN BOWLBY

    A MENINA NA JANELA

    O vizinho de uma casa aparentemente abandonada viu, algumas vezes, uma menina olhando através de uma janela, quebrada. A menina nunca estava acompanhada e nunca havia sido vista fora da casa. Achando tudo muito estranho, ele entrou em contato com a polícia.

    Em julho de 2005, a polícia de Plant City, uma pequena cidade na Flórida (Estados Unidos), entrou na casa. A porta foi aberta pela mãe da menina. Os policiais tinham um mandado de busca da criança. A procuraram por todos os cômodos, até que a encontraram em um pequeno quarto.

    Um dos policiais vomitou quando viu a cena. O cômodo estava cheio de baratas. Sob um colchão mofado estava a menina, Danielle Crockett, esquelética e com restos de fezes grudados pelo corpo. Seu cabelo, cheio de piolhos.

    A menina vivia dentro de um armário escuro e, da mãe, recebia apenas comida, mas não educação e muito menos carinho.

    Como resultado, nao sabia falar. Quando foi avaliada por psicólogos, não estabelecia nenhum tipo de interação social. Não comia alimentos sólidos. Não sabia usar o banheiro. Não conseguia nem andar. Era uma criança totalmente apática, completamente anormal.

    Danielle Crockett
    Danielle Crockett

    Os exames médicos mostraram que ela não tinha nenhuma doença genética. Tornara-se uma espécie de “menina-lobo” por conta da (falta de) criação.

    A mãe foi levada presa e se justificou assim: “Sou uma mãe solteira. Faço o que posso.” Foi condenada a apenas dois anos de prisão domiciliar.

    Levada para uma instituição, aos 9 anos, Danielle Crockett ainda não falava, apesar de todos os estímulos que recebia. Ainda usava fraldas. Nenhum cuidador nunca tinha visto ela rir ou chorar, embora às vezes apresentasse acessos de raiva inexplicáveis.

    Então um casal com cinco filhos homens e nenhuma menina a adotou.

    Tentaram de tudo, todos os tipos de terapia, para recuperar a garota. O pouco progresso que obteve, boa parte foi perdido com a chegada da puberdade. O casal se separou – cerca de 90% dos casamentos não sobrevive a um filho com grandes necessidades especiais.

    O pai adotivo continuou cuidando dela. Até os 18 anos anos, quando ela foi para uma espécie de asilo. Ele conta que, ao deixá-la na instituição, prometendo visitá-la sempre, ele chorou. Ela não reagiu.

    Todos os que tiveram envolvimento com o caso disseram, em entrevistas realizadas 10 anos depois que a garota foi encontrada, que aprenderam a importância dos cuidados nos primeiros anos de uma criança.

    Menos Michelle, a mãe biológica de Danielle Crockett. A casa foi demolida pela prefeitura e ela agora morava em um trailer. Quando o repórter se aproximou dela, ela ameaçou chamar a polícia… [fonte]

    OS GANSOS DE KONRAD LORENZ

    É difícil não associar esta história com a história do surgimento da Teoria do Apego de John Bowlby. Porém não podemos falar desta última sem antes lembrarmos de Konrad Lorenz, cujo trabalho influenciaria o de John Bowlby.

    Konrad Lorenz (1903 – 1989), zoólogo austríaco, viria a ganhar um Prêmio Nobel por suas contribuições para a ciência.

    É considerado um dos pais da Etologia, o estudo do comportamento dos animais. Enquanto outro cientistas estudavam os bichos em laboratório, Konrad Lorenz preferia estudá-los em seus ambientes naturais.

    Uma de suas descobertas mais marcantes foi o conceito de “imprinting”, que pode ser traduzido por “impressão” ou “estampagem”.

    O exemplo mais marcante de “imprinting” descrito pelo cientista envolveu ele mesmo e alguns dos animais que estudava.

    Konrad Lorenz demonstrou que gansos recém-nascidos se apegavam à primeira coisa em movimento que viam. Os bebês-gansos foram separados de suas mães logo após o nascimento e tiveram contato inicial com o cientista, apenas. Como resultado, eles aparentemente pensavam que Konrad Lorenz era sua mãe, já que passaram a seguí-lo para todo canto – enquanto os bebês-ganso que não foram separados de suas mães as seguiam.

    O fenômeno foi chamado de “imprinting” porque era uma impressão irreversível no cérebro e no comportamento dos gansos.

    Konrad Lorenz
    Konrad Lorenz e “seus” filhotes

    Segundo Konrad Lorenz, o “imprinting” ocorre em uma janela crítica de tempo, programada biologicamente.

    Nosso cérebro nasce com inúmeras possibilidades – e nos primeiros anos de vida o bebê irá, com o estímulo adequado, aprender a andar, falar, controlar o xixi e o cocô, brincar, dar birra, mentir etc.

    Danielle Crockett perdeu todas as janelas de oportunidade. Nada foi impresso em seu cérebro. Não aprendeu nada, pois nada lhe foi ensinado. Os gansos de Konrad Lorenz ao menos tinham uma “mãe” – o próprio cientista. Já a garotinha tinha apenas uma mulher que abria a porta do cubículo e lhe dava uma comida pastosa. E só.

    Para sermos historicamente justos: o fenômenos, em aves, já havia sido descrito centenas de anos antes, mais exatamente em 1516, por Sir Thomas More, em seu livro “Utopia”. O que Konrad Lorenz foi estudar detalhadamente o processo, divulgá-lo etc.

    E, aliás, descobertas posteriores de Konrad Lorenz foram ainda mais assustadoras. Aparentemente, os gansos não estavam apegados nele, mas no que realmente enxergaram ao nascer: suas botas! E mais: quando, ao invés de verem o cientista, ao nascer, outros bebês-gansos ficaram “apegados” a um trenzinho de brinquedo, que andava em círculos!

    Embora o conceito de “imprinting” tenha sido estudo em relação à maternidade, posteriormente foi expandido para outras situações, como “imprinting sexual” – o fetichismo por roupas de couro, por exemplo, pode ser consequência de exposição (emocionalmente carregada) a objetos feitos do material na janela crítica do desenvolvimento dos nossos interesses sexuais.

    E há mesmo o “imprinting sexual reverso”, ou Efeito Westermarck, nome em homenagem ao finlandês Edvard Westermarck (1862 – 1939) que, em seu livro “A história do casamento humano” (1891) notou que crianças criadas juntas raramente se apaixonavam umas pelas outras, quando chegavam à adolescência. Teorias posteriores disseram que este mecanismo existe para impedir que nos apaixonemos por nossos irmãos – buscaremos pessoas mais distantes e, assim diminuiremos os riscos de gerarmos bebês com doenças genéticas.

    A TEORIA DO APEGO DE JOHN BOWLBY

    O inglês John Bowlby (1907 – 1990) é considerado o pai da Teoria do Apego. Seu trabalho deve um bocado às ideias de Konrad Lorenz, mas não apenas. Uma experiência que o marcou muito foi a sua própria infância.

    Nascido em uma família de classe média-alta, John Bowlby – e seus cinco irmãos – foi criados como era moda naquela época: com babás, em aposentos separados da casa. Eles viam a mãe apenas uma hora por dia. Não a culpemos: teorias da época diziam que o excesso de carinho estragaria os filhos.

    Quando o pequeno John Bowlby tinha quatro anos, sua babá Minnie deixou o emprego. Ele descreveria, depois, o que o sentimento à época foi como perder uma mãe – de fato, se nos lembramos dos gansos de Konrad Lorenz, o “imprinting” materno foi mesmo gerado por Minnie.

    O pai de John Bowlby era cirurgião da família real e, quando chegou a Primeira Guerra Mundial, em 1914, ele foi convocado. Apareceria em casa, pelos próximos anos, apenas duas vezes por ano. A criança, enquanto isto, foi enviada para o internato. Como foi a experiência para ele? “Eu não mandaria um cachorro para lá”, ele diria depois. (Porém diria que, para crianças maiores ou em grande situação de desajuste familiar o internato pode ser útil.)

    Já adulto, formado em Medicina e com estudos em Psiquiatria e Psicologia, durante a Segunda Guerra Mundial teve a oportunidade de lidar com crianças que haviam sido separadas de – ou perdido – seus pais (ou suas babás).

    Observando 44 delinquentes juvenis, acusados de roubos, John Bowlby notou que 17 deles haviam sido separados precocemente de seus pais – por comparação, entre outras 44 crianças com problemas psicológicos, mas sem histórico de roubo, apenas duas tinham passado pela separação de seu principal cuidador antes dos cinco anos de idade.

    John Bowlby avaliou estas crianças infratoras e as classificou entre seis tipos de humor: normal, deprimido etc. !4 foram catalogadas como “sem afeto”. Destas, 12 haviam passado pela separação da separação precoce de seu cuidador.

    Outras experiências – às quais deixaremos para outro momento – colaborariam para o desenvolvimento de sua Teoria do Apego. A teoria diz basicamente o seguinte: o bebê, ou criança pequena, para ter um desenvolvimento emocional e social normal, precisa de ao menos um relacionamento duradouro com um cuidador emocionalmente presente. Este cuidador, ao qual a criança se apega, é o apoio a partir do qual o pequeno pode explorar o mundo e se desenvolver. A ansiedade de separação que uma criança sente é normal, assim como seus comportamentos de protesto, sendo mecanismos evolutivos que, lidando intensamente a criança e a mãe, aumentam a chance de sobrevivência do pequeno.

    A psicóloga Mary Ainsworth, fazendo experiências de separação breve com bebês e suas mães, observaria três tipos principais de reação, que denominariam os três tipos principais de apego: ansioso, seguro e evitativo.

    Outros pesquisadores, posteriormente, especialmente Cindy Hazan e Phillip Shaver, levariam as ideias de John Bowlby e Mary Ainsworth adiante, desenvolvendo a Teoria do Apego Adulto, uma espécie de extensão das nossas necessidades infantis por amor, carinho e uma “base segura” (conceito criado por Mary).

    Tema para um próximo artigo, dada a extensão do assunto…

    Para saber mais sobre a Teoria do Apego, confira o seguinte texto, aqui mesmo no site Educação Sentimental: resumo do livro “Maneiras de Amar”.