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HISTÓRIA DA NEUROPSICOLOGIA

    UMA BREVÍSSIMA HISTÓRIA DA NEUROPSICOLOGIA

    HIPÓCRATES

    Contrariando as crenças de seu tempo, o grego Hipócrates (c. 460 – c. 370 AC), chamado de “o Pai da Medicina”, foi um dos primeiros a propor que nossas emoções se situavam no cérebro, e não no coração. Esta ideia nasce de sua observação de que pessoas que sofriam ferimentos na cabeça frequentemente apresentavam alterações do comportamento; pessoas feridas no corpo, não.

    As doenças mentais, portanto, não eram “punições dos deuses”, e sim fenômenos decorrentes de desequilíbrios cerebrais.

    Hipócrates criou a teoria dos quatro “humores”. No século 2 DC, a teoria seria refinada por Galeno.
    O desequilíbrio destes fluidos levaria a doenças físicas e mentais.
    Cada humor era associado a um elemento e personalidade:

    • humor: sangue; elemento: ar; personalidade enérgica e alegre;
    • fleuma: água; calma;
    • bile amarela: fogo; irritabilidade;
    • bile negar: terra; melancolia.
      Surpreendentemente, a Teoria dos Humores foi influente até o século 19. Os “tratamentos, como sangria, purgativos, dietas etc. visaram reestabelecer o equilíbrio dos humores.

    ARISTÓTELES

    A escola do grego Aristóteles (384 – 322 aC) foi muito mais apegada ao empirismo, à experiência, do que a de Platão, afeita ao mundo das ideias.
    Para Aristóteles, todas as formas de vida tinham uma “psyche” (mente, ou alma), conceito que abrangia nosso intelecto, nossas emoções e nossos instintos.
    A razão era a nossa capacidade suprema, que nos diferenciava dos animais.
    Séculos depois, com o Renascimento, o Racionalismo adquiriria muita força e só muito recentemente as emoções passaram a ser vistas também como guias confiáveis para nossas ações.

    GALENO

    Embora a Teoria dos Quatro Humores não tenha validação científica nenhuma, ainda hoje há pessoas que se intitulam “coléricas”, “sanguíneas” etc. baseadas na ideia de Hipócrates, que Galeno (c. 129 – c. 210), grego que atuava em Roma, adotou e desenvolveu.

    Apesar disto, Galeno fez contribuições importantes para o entendimento das relações mente-cérebro.
    Dissecando animais, pois fazer isto com humanos era proibido, Galeno começou a visualizar que determinadas áreas cerebrais poderiam estar relacionadas a determinados comportamentos ou sensações. Embora, hoje sabemos, as correlações que fez fossem imprecisas, a ideia era interessante e hoje prevalece: o cérebro não é um órgão uniforme, mas constituído de partes.

    LEONARDO DA VINCI

    A Idade Média viu uma estagnação ou mesmo uma regressão dos conhecimentos anteriormente acumulados.
    Crenças, por exemplo, de que convulsões eram causadas por possessões demoníacas levaram muitos às fogueiras da Inquisição.

    Leonardo da Vinci (1452 – 1519) não foi apenas o pintor da “Mona Lisa”, obra de arte mais famosa do mundo. O italiano é considerado “o homem do Renascimento” por simbolizar uma certa queda do poder da Igreja, enquanto o ser humano passava a ser o centro das atenções.
    Um dos interesses de Da Vinci foi o corpo humano, ao qual se dedicou intensamente, dissecando corpos e desenhando. O “Homem Vitruviano” é um desenho que todos nós já vimos – e reflete a ideia de Vitrúvio, um arquiteto romano, para o qual o corpo humano perfeito seguiria algumas proporções.

    DESCARTES

    O filósofo francês René Descartes (1596 – 1650) teria uma profunda influência no debate mente x cérebro.
    Para ele, as duas entidades eram totalmente separadas.
    Ou quase: se minha mente decide que meu corpo deve ir a algum lugar, esta decisão precisa chegar a algum ponto do corpo. Este ponto de contato entre a mente e o cérebro seria a glândula pineal.
    Há poucas décadas sabemos da importância real da pineal: a produção de melatonina, hormônio que nos induz ao sono. Importante, sim, porém responsável por apenas uma das dezenas de funções de nosso cérebro – e, ironicamente, mais relacionada a um estado de passividade, o sono, do que de atividade…

    Apesar dos modernos conhecimentos de Neuropsicologia, muitas pessoas ainda são, de certa forma, seguidores de Descartes, ao acreditarem numa alma independente do cérebro.

    THOMAS WILLIS

    Um contraponto às ideias de Descartes foi o trabalho de Thomas Willis (1621 – 1675).
    Médico inglês, Willis é considerado um dos pais da Neurologia.
    Seus trabalho foi dedicado ao estudo da anatomia e funções do cérebro.
    Willis defendeu que determinadas áreas do órgão estavam correlacionadas com funções gerais, correlacionando doenças com lesões.

    FRANZ JOSEPH GALL

    O alemão Franz Joseph Gall (1758 – 1828) é o pai da Frenologia, que primeiramente foi chamada de Cranioscopia.
    Gall acreditava que cada parte do cérebro correspondia a um traço de personalidade, e que medindo as protuberâncias cranianas de um indivíduo poderia fazer inferências sobre sua personalidade.
    A Frenologia é considerada, atualmente, uma pseudo-ciência, porém as ideias de Gall deram impulsos a muitos estudos subsequentes.

    PAUL BROCA E CARL WERNICKE

    No século 19, Paul Broca (1824 – 1880) e Carl Wernicke (1848 – 1905), com suas pesquisas, deram efetivamente início aos modernos entendimentos de Neuropsicologia.
    O francês Broca identificou uma região, no lobo frontal esquerdo, essencial para a produção da fala. Um paciente conseguia compreender o que escutava ou lia, mas só conseguia responder “tan tan”. Após sua morte, uma autópsia revelou uma lesão na região que ainda hoje é chamada de “área de Broca”.
    O polonês Wernicke, por outro lado, identificou uma região no lobo temporal esquerdo responsável pela compreensão da linguagem. Sua lesão leva ao estado que ainda hoje é chamado de afasia de Wernicke.

    SANTIAGO RAMÓN Y CAJAL

    O espanhol Santiago Ramón y Cajal (1852 – 1934) é considerado um dos fundadores na moderna Neurociência.
    Entre várias descobertas feitas por Ramón y Cajal, a mais importante foi a do neurônio. Antes disto, muitos acreditavam que o cérebro fosse uma rede contínua.
    Hoje sabemos que um cérebro contém estonteantes cerca de 85 bilhões de neurônios. Como um cérebro tem cerca de 1200 a 1400 cm3, isto significa que em um único milímetro cúbico temos entre 60 e 70 mil neurônios!

    A pineal de Descartes, também chamada de epífise, mede pouco mais de 5 milímetros e está localizada no centro do cérebro e não é composta por neurônios, mas por células glandulares.

    Além da descoberta do neurônio, Ramón y Cajal propôs que a informação fluía, nesta célula, dos dendritos para o axônio.

    O pesquisador recebeu, em 1906, o Prêmio Nobel de Medicina, junto com o italiano Camillo Golgi (1843 – 1926), que desenvolveu uma técnica de coloração do tecido cerebral que permitiu os avanços do conhecimento da época.

    OUTROS NOMES

    Entre diversos nomes que fizeram contribuições importantes para o desenvolvimento da Neuropsicologia, podemos citar brevemente:

    Hans Berger

    O alemão Hans Berger (1873 – 1941) inventou o eletroencefalograma, que permitiu que se medisse o funcionamento das camadas mais externas do cérebro.

    A origem do seu interesse pelo cérebro é curiosa. Um determinado dia teve um acidente, com um cavalo. No mesmo momento, sua irmã, distante, teve um mau-pressentimento com ele e enviou um telegrama. Seus estudos visavam entender a suposta telepatia.

    António Egas Moniz

    O português António Egas Moniz (1874 – 1955) desenvolveu a lobotomia para controle da epilepsia e da agressividade em “loucos”. Receberia o Prêmio Nobel, apesar de o “tratamento” deixar os pacientes calmos, porém “bobos”.

    Karl Lashley

    Os estudos do americano Karl Lashley (1890 – 1958) demonstraram que a memória não se localiza em uma parte específica do cérebro, mas se espalha por todo o córtex.

    O total da área ocupada por uma memória é chamado de “engrama”, termo cunhado pelo alemão Richard Semon (1859 – 1918).

    Lashley ensinou algumas coisas a alguns ratos e, de cada um, removeu uma fatia do cérebro. Ainda assim, os ratos mantinham boa parte do aprendizado.

    Winden Penfield

    O cirurgião canadense Winden Penfield (1891 – 1976), enquanto operava cérebros de pacientes acordados, estimulava eletricamente cada região e solicitava ao “voluntário” que descrevesse o que sentia.

    Assim, Peinfield mapeou a representação sensitiva e motora do nosso corpo no córtex cérebral.

    Donald Hebb

    O canadense Donald Hebb (1904 -1985) desenvolveu a teoria da plasticidade das sinapses. Ficou famoso seu postulado: “Neurônios que disparam juntos se conectam.”

    Roger Sperry e Mike Gazzaniga

    Roger Sperry (1913 – 1994) e seu ex-aluno Mike Gazzaniga (1939 – ), com seus estudos ,permitiram compreender melhor a lateralização do cérebro, após observarem pacientes que tinham os hemisférios separados como tratamento para a epilepsia.

    Sperry recebeu, em 1981, o Prêmio Nobel de Medicina.

    Eric Kandel

    No ano 2000, o austríaco Eric Kandel (1929 – ) recebeu o Prêmio Nobel por suas pesquisas sobre as transformações moleculares durante a formação de memórias de longo prazo.

    No mesmo ano, o prêmio foi delegado a três pesquisadores, sendo um deles Arvid Carlsson (1923 – 2018), sueco que descobriu a importância da dopamina na Doença de Parkinson.

    A RESSONÂNCIA MAGNÉTICA FUNCIONAL

    Na década de 1990, o desenvolvimento da fMRI – ressonância magnética funcional – revolucionaria a Neuropsicologia, pois permitia estudar o funcionamento cerebral ao vivo.

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    Para um aprofundamento, veja: HISTÓRIA DA NEUROPSICOLOGIA DOS SENTIMENTOS E DAS EMOÇÕES.