CAP. 3 – MONOGAMIA E CASAMENTO NA SOCIEDADE
Stephanie Coontz estudou a história do casamento em todo o mundo. O que seu estudo revela é que não há um padrão, nem mesmo em relação ao básico do que pensamos que seja um casamento. Nem sempre são apenas duas pessoas, nem sempre vivendo juntos etc. E nem sempre por amor.
O casamento era um negócio. Não era entre duas pessoas, mas duas famílias.
Acrescentou Engels: o casamento ainda fornecia uma doméstica grátis para o esposo.
O amor era algo de fora do casamento. Nos séculos 12 e 13 os affairs extramaritais foram romantizados e percebidos, entre os aristocratas, como a mais nobre forma de amor.
Groucho Marx: “O casamento é uma instituição maravilhosa, mas quem quer viver em uma instituição?”
O cristianismo, pela primeira vez na história, impôs aos homens, ao menos em tese, as mesmas restrições que para as mulheres. Na prática, entretanto, o casamento irrevogável só se tornou padrão na Europa ocidental no século 10. Assim como a obrigação da monogamia – esta especialmente para os mais pobres, os ricos resistiam e mantinham amantes.
A esposa era praticamente obrigada a ceder quando o marido queria sexo – o estupro dentro do casamento só foi reconhecido no fim do século 20.
O homem também controlava as propriedades e ganhos trazidos pela esposa.
Com a Revolução Industrial e o fim do sistema agrícola, os homens começam a se revoltar com casamentos arranjados. Os conservadores perceberam os riscos disto – especialmente se as mulheres começassem a demandar o mesmo. Mas a partir do final do século 18 a ideia do casamento como um evento romântico começou a ganhar tração, até o ponto atual, quando a situação se inverteu: casar por interesse financeiro é imoral.
Mas na era vitoriana o amor ainda não era o que pensamos dele atualmente, mas sim uma espécie de amizade, companheirismo.
No século 19, a ideia medieval de que as mulheres eram hipersexualizadas começou a ser trocada pelo oposto: de que eram assexuais. As mulheres respeitadas pelos homens foram elevadas quase à condição de santas. O sexo era casa era para procriação – bom sexo era buscado com prostitutas. O “complexo de Madona-whore” faz com que alguns homens, ainda hoje, percam o desejo pelas suas esposas assim que se tornam mães.
Na década de 1920 em diante, o jogo inverteu e a falta de casamento no sexo passou a ser vista como problema. E se as mulheres fossem trabalhar, como do meio do século em diante, o que manteria o casamento, se não bom sexo? Dos homens, por outro lado, começou a se exigir mais cuidados em casa e com os filhos.
O casamento é a única opção. Pessoas que resolvem ficar solteiras são rotuladas de imaturas, narcisistas.
Dos anos 60 em diante, a ideia de casamento como única via começa a desmoronar. A pílula tem um efeito destruidor.
Esther Perel, psicoterapeuta, aponta que nunca houve tanta expectativa emocional sobre o casamento como agora. Esperamos tudo do casamento.
E por isto nos separamos tanto. E nos casamos novamente. A moda atual é a monogamia serial.
Por um lado, temos direito de buscar a felicidade. Porém há vários problemas. E as crianças? E nossa velhice? Agora tudo depende da satisfação de ambos – especialmente sexual. É sofrer ou largar.
Interessantemente, o casamento por amor não obteve mais sucesso do que o arranjado.
“A razão pela qual ele não funciona é bem simples. Ele não funciona porque ele não é supposed funcionar.” (Isto não quer dizer que os casamentos arranjados sejam bons!) É uma nova invenção, um experimento social. Muitos psicólogos, terapeutas sexuais etc. não entenderam isto. E para muita gente, o casamento “clássico” ainda é um ideal de vida. Basta a ver a felicidade dos que se casam, como se recebessem um selo de aprovação.
Para muita gente, entretanto, o casamento passou a ser visto como algo que atrapalhará suas vidas. Quando vão se casar, precisam de prostitutas(os) em suas despedidas de solteiro.
Entre 20 a 25% dos solteiros, nos EUA, experimentaram algum tipo de relação não-monógama consensual.
Um estudo mostrou que esta tendência é maior entre os jovens. Apenas 56% consideram a completa monogamia um ideal, contra 80% dos acima de 65 anos.
Monogamia e capitalismo
O capitalismo moderno também nos tronou ávidos por satisfação, novidades etc. Um modelo de vida que não combina com a monogamia definitiva – a tentação é trocar um relacionamento frio como trocamos um celular “obsoleto”.
O drama hoje é: irei trair honestamente ou em segredo?
Eva Illouz aponta que a escolha pela monogamia, hoje, é quase um ato de subversão. Até mesmo contra o capitalismo.
(A autora, claro, discorda que tenhamos de optar entre a segurança e a liberdade.)
Monogamia: prós e contras
Benefícios.
1) Vantagem social burocrática
Freud apontou que a monogamia era a pedra que sustentava a sociedade.
Há regras e elas são fáceis de serem fiscalizadas e controladas.
2) Igualdade
Cada homem tem uma mulher, ao contrário da poliginia.
3) Família
Crianças criadas pelos pais – mais fácil. (Embora famílias poliamorosas possam dar mais cuidados.) Animais socialmente monógamos não fazem isto à toa. Porém várias sociedades humanas testaram criação comunitária – como os kibutz israelenses.
4) “Uniquismo” (singularidade)
“Fui escolhido.” Porém é acompanhado de angústia, medo.
5) Certeza e segurança
“Até que a morte nos separe.”
6) Apaixonar-se
Neste estágio a monogamia é quase natural.
7) Foco de energia e atenção
Em uma só pessoa.
8) Valores e moral
Lealdade é considerada um valor chave para muitas pessoas. As religiões monoteístas veem a monogamia como uma virtude.
9) O único modo de vida, para alguns
Algumas pessoas são monógamas.
Dificuldades.
1) Vida sexual insatisfatória
Uma piada entre terapeutas sexuais diz que a maior substância broxante que existe é o bolo de casamento.
20% dos casados americanos vivem um casamento sem sexo – menos de 10 vezes por ano. (A autora ironiza: se você tem sexo 11 vezes por ano, parabéns, escapou – é um casal sexualmente ativo.)
Bettina Arndt, terapeuta sexual, em “The sex diaries”, aponta que o problema mais comum é a diferença de libido entre o par. Geralmente o homem querendo mais do que a mulher, a longo prazo, especialmente se esta teve filhos.
Um estudo alemão mostrou que, no começo de um relacionamento, as mulheres têm o mesmo desejo dos homens. Porém, quatro anos depois, apenas metade delas desejam sexo regularmente – e apenas 20% (contra 60% deles), após 20 anos. Porém notou-se que o desejo não decai quando o casal não mora junto.
Muitos homens se sentem, então, frustrados e enganados. Até mesmo a sua masculinidade é questionada. E, de acordo com o patriarcado, era um “direito” deles.
Cerca de 43% das americanas em um relacionamento poderiam ser diagnosticadas como hipossexuais.
Arndt e Perel apontam que a mulher não se tornou assexuada – ela não quer sexo com o parceiro.
(Após cada ovulação o corpo da mulher “pensa” que ela está grávida e a libido cai.)
O machismo pode estar envolvido – afinal, de uma esposa não se espera que seja uma “puta”.
Os anticoncepcionais – ou a parada deles – também, pois alteram as preferências olfativas da mulher.
Além disto há as questões da auto-imagem. O ganho de peso após o casamento, filhos.
As mulheres ligam muito para o contexto. No contexto “correto” podem se sentir excitadas. Homens que já chegam querendo transar podem ser broxantes.
E, bem, às vezes o sexo em si não é bom – a ponto de a mulher querer repetir. Um terço das mulheres nunca teve um orgasmo.
“Para o homem, que tem fome e quer pão, ele não fica ponderando se é um bagel ou um brioche.” escreveu um homem comum a uma autora.
Muitas vezes a incompatibilidade é natural. Homens, segundo um estudo, procuram, numa parceira de longo prazo, mulheres atraentes. Mulheres buscam algo completamente diferente: estabilidade, personalidade – e capacidade de $obreviver. Muitas não esperam mesmo que a vida sexual de um casal seja eternamente quente.
Muitas se casam jovens e talvez nem soubessem o que é realmente uma boa vida sexual. Muitos homens também podem não saber e o casal nunca encontrará sintonia.
Esther Perel aponta que a intimidade faz a libido declinar, para algumas pessoas. Talvez uma proibição inconsciente de sexo com parentes?
Filhos, especialmente atualmente, em que viraram prioridades para os casais, reizinhos, causam muito estresse. Hobbies etc. dos parceiros somem. As pessoas mudam. O que movimenta a paixão é perigoso para a vida familiar.
Mesmo entre casais homossexuais, a libido geralmente diminui mais entre o principal cuidador da casa.
Jack Morin, em “The erotic mind”, aponta que certa dificuldade, algum obstáculo erótico, é necessário para manter o desejo aceso. E isto pode significar sentimentos que não queremos sentir. E que podem mesmo desmoronar a relação. Como a distância. Ou alguém ser comprometido. Ciúmes. Diferença de poder – que tentamos tanto equalizar. Etc.
“A sexualidade não é politicamente correta.”
“O sexo fora de casa geralmente é mais liberado, experimental. Há uma excitação intensa simplesmente por estar com uma pessoa diferente.”
Para a mulher, esta sensação vem ainda mais fácil, já que está se despindo dos papéis de mãe etc. “Um amante é uma pessoa com um novo tipo de toque, nova química, sexo diferente, uma excitação em um nível completamente diferente.” “É sexo como nos filmes, relatam alguns.”
Além disto, um caso não é, nunca, totalmente domesticável. Assim, casos que duram além do período de limerência não são raros.
Assim, quantas pessoas, comprometidas, vivem uma vida sexual em que nem ela ou o parceiro estão frustrados? 10%? Menos? Estas pessoas estão felizes apesar da monogamia, e não por conta dela.
Leanna Wolfe afirma que o tratamento de baixo desejo sexual encontra sucesso em no máximo 15% dos casos. Um caso “cura” mais facilmente. E pode ser mais barato do que uma separação.
2) Atração sexual e emocional por outros
Para muitas pessoas, o sexo é drive mais forte, além dos básicos para a sobrevivência. Para alguns a paixão é como uma droga. Não à toa tantas músicas etc. falam disto. Se até mesmo um flerte pode mudar o seu dia…
Dan Savage clama que o problema é o fato de que tornamos a exclusividade sexual a prova mais importante de compromisso e amor. Dicotomizamos a lealdade com base apenas no comportamento genital do nosso parceiro. “É possível tropeçar e ainda ganhar a maratona. Se você viveu por 50 anos com uma pessoa e só a traiu algumas vezes, talvez você não seja tão ruim neste negócio de monogamia.”
3) Vitalidade
Perel afirma que a maioria das pessoas que trai, na sua prática, não são traidores contumazes. Frequentemente andaram na linha por décadas. Que têm valores. Porém que arriscam tudo em busca de… vitalidade. A luta contra a mortalidade. A essência da traição é quebrar regras, inclusive as próprias.
4) A expectativa irreal de que uma pessoa tenha de preencher todas as nossas necessidades
Antigamente havia mais amparo da comunidade. Hoje tudo depende do casal. O parceiro tem de ser tudo: o melhor amigo etc.
Eli Finkel aponta que, no passado, o casamento provia o básico das necessidades da pirâmide de Maslow. Hoje as pessoas querem que ele proveja o topo. Perel: “Expectativas são decepções aguardando para acontecer.”
Erramos muito ao depositar no outro a obrigação de nos satisfazer. “Pro alguma razão isto é considerado romântico.” Deveríamos enxergar o outro como simplesmente ele é, já que ele nunca satisfará todos os nossos desejos. E deveríamos nós mesmos ir atrás de nossa satisfação.
5) Auto-descoberta e auto-expressão
Perel diz que, muitas vezes, não nos apaixonamos porque descobrimos uma nova pessoa, mas porque descobrimos um novo self. Self que tende a ser simplificado e minimizado quando estamos há muito tempo com uma pessoa. “O adultério, com frequência, é uma vingança das possibilidades abandonadas.”
Por isto, às vezes, é tão difícil cortar um caso.
6) Falta de autonomia
Em um relacionamento, “ser maduro” implica na perda de parte da autonomia.
Para algumas pessoas, ser proibido de algo é o que faz aquele algo ser algo pelo qual valha a pena lutar.
Estar um relacionamento é perder a autonomia não apenas sobre seu corpo, mas também sobre os seus sentimentos. E até sobre os seus pensamentos. Parece absurdo, mas é o que se espera. E não é apenas sobre sexo, mas sobre os amigos etc.
“Proibir alguém de tomar um café com outra pessoa não é inerentemente diferente de proibir ela de ter sexo com esta pessoa.”
A autora propõe que com diálogo etc. é possível, ao menos, perdermos menos da nossa autonomia. Seu parceiro não é seu filho.
7) Apenas um ou ambos? Segurança ou liberdade?
Nossa sociedade não acredita na possibilidade de termos os dois. Quando somos forçados a escolher, provavelmente escolheremos a segurança, pois está ligada às nossas necessidades de sobrevivência.
É mais difícil enxergarmos que sem a liberdade lentamente começaremos a definhar. Lembra-se de como era quando tínhamos 16 anos?
“Liberdade e segurança não são opostos, se completam.”
8) Aprovação externa de que são atraentes e valem ser amadas; um turbo na confiança
9) Deficiências significativas dentro da relação existente
10) Algumas pessoas realmente não foram feitas para a monogamia
Monogamia consciente
Perel diz que a “boa” monogamia é aquela discutida de antemão, acordada – e reexaminada, se necessário.
Para a autora, é uma relação construída com base em permissões, não em proibições. Isto é, você pode ficar com outras pessoas, mas escolhe não ficar. Livre arbítrio.
Conversar, conversar e conversar – antes que as coisas se tornem um contrato tácito inquebrável. Ao contrário do sexo “baunilha”, no BDSM tudo é conversado.
E buscar outras formas de conexão. Massagens etc.
O que a mulher precisa é de um homem que lhe dê atenção plena. E o que ela precisa fazer é focar no próprio prazer… Os homens também querem isto, se não se contentam com sexo medíocre.
Perel diz que algo que pode contribuir para a sexualidade do casal é “chamar o terceiro”. Não necessariamente real, mas ver o parceiro sob os olhos de outro. Um pouco de ciúmes pode fazer bem.
Se nos limitamos para fora, acabamos também nos limitando para dentro da relação.
Mesmo dentro de um mundo monógamo, é ok viajar com seus amigos etc.