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AS ORIGENS DO CIÚME

    CAPÍTULO 1 – A PAIXÃO PERIGOSA

              Cada ser humano vivo é o resultado de uma longuíssima história de sucesso. Seus pais precisaram sobreviver até a idade reprodutiva – e reproduzir. Os pais de seus pais, idem. Etc. etc. etc.

              Se chegamos até aqui, portanto, foi porque os comportamentos sexuais destes nossos antepassados provavelmente foram úteis. Os que não deixaram descendentes provavelmente tinham comportamentos que não os ajudaram a isto – por exemplo, eram muito tímidos – ou muito agressivos. Como somos sobreviventes, herdamos os padrões eficazes dos nossos antepassados na luta da reprodução.

              O que é comum entre nós, humanos, o mediano, provavelmente seja útil, eficaz.

              As nossas emoções, portanto, embora possam às vezes ser incômodas, têm uma explicação lógica, cristalina – ao menos naquele passado mais distante, mas possivelmente ainda hoje ou, ao menos, até recentemente. As emoções não são “burras”, não são o oposto da razão – elas têm uma inteligência. Mesmo comportamentos extremos gerados por estas emoções, como a agressividade gerada pelo ciúme, embora possam ser altamente reprováveis, lamentáveis, podem ao menos ser explicados pela Psicologia Evolutiva como um desvio do normal, um normal que saiu do controle.

              O livro foi escrito com base em uma década de estudos de David, focados no ciúme, na traição etc.

    O monstro dos olhos verdes

              Em vários países pesquisados, as mulheres se mostram mais incomodadas com a traição emocional. Os homens, com a traição física. Deve haver uma explicação biológica para isto.

              Em todos os mamíferos, a fertilização ocorre dentro da fêmea. Isto traz um problema para o macho: a incerteza da paternidade. Um macho sexualmente enganado corre um grande risco: de investir a sua vida cuidando de um filho que não é seu. Um ditado africano diz: “Mama’s baby, papa’s maybe.”

    Embora a fêmea tenha certeza de ser mãe de seus filhos, ela também enfrenta uma incerteza: a de que o pai destes filhos não irá abandoná-la por outra.

    Assim, para muitas mulheres é mais fácil perdoar uma breve aventura sexual do seu parceiro do que é para eles fazer isto. Por outro lado, para muitos homens é mais fácil lidar com a parceira enamorada por outro do que imaginá-la com outro na cama. A mulher traída quer saber: “Você a ama?” O homem traído: “Você gozou?”

    O homem quer fidelidade; a mulher, lealdade.

    E ambos agirão para conseguir o que desejam.

    O homem que não cuidou da fidelidade de sua parceira não deixou descendentes, assim como a mulher que não cuidou da lealdade do seu parceiro.

    Assim, embora existam teorias que apontem o ciúme como um sinal de imaturidade emocional, a verdade é que seres humanos “evoluídos”, “maduros”, não foram nossos ancestrais. Eles perderam para os ciumentos e possessivos, para aqueles que possuem a “paixão perigosa”.

    O ciúme, de acordo com a Psicologia Evolutiva, é, portanto, uma adaptação – isto é, uma solução para um problema recorrente na espécie – assim como temos inatos medos de cobras, aranhas ou pessoas estranhas.

    Isto não significa que a adaptação funciona perfeitamente – nem todas as cobras são venenosas. Mas se errar por excesso de cautela garante a nossa sobrevivência…

    Assim, para a PE, o ciúme não é um “problema”, e sim uma importante solução para uma ameaça real à nossa capacidade reprodutiva. A “paixão cega” é uma espécie de sabedoria emocional.

    Para a nossa mente ancestral, não importa se a mulher toma pílulas anticoncepcionais. Como certas pessoas continuam a ter fobia de cobras que estejam atrás de um vidro em um laboratório, o ciúme é inato.

    A síndrome de Otelo

              O ciúme é a principal causa da agressão às mulheres. Apesar de poder se manifestar de outras formas, como impedindo-a mesmo de ver seus familiares, também chega ao ponto de o homem matar a mulher. Boa parte destes homens irá dizer que amavam suas parceiras.

              Mesmo quando não chega a este ponto, o ciúme pode minar o bem-estar do casal.

              Entretanto, em muitas outras ocasiões, o ciumento pode mesmo estar certo – o parceiro pode mesmo flertando ou estar traindo. O infiel o acusa de irracionalidade e, se este absorve a acusação, acredita estar “doente” quando seus instintos estavam corretos.

              Pesquisas do autor mostram que praticamente todas as pessoas já experimentaram o sentimento e que cerca de 1/3 diz que já o sentiu de uma forma tão intensa que já teve vontade de machucar alguém.

               O ciúme extremo já recebeu vários nomes: síndrome de Otelo, ciúme mórbido, patológico, psicótico etc.

              Cerca de 13% dos homicídios são assassinatos do cônjuge e o ciúme está por trás da maioria destas mortes.

              O que é considerado patológico, no senso comum, é o ciúme que surge sem indícios reais de traição. A raiva sentida quando se descobre a traição é, de certa forma, compreendida. Até há poucas décadas, no Texas, um marido que matasse a esposa e o amante pegos em flagrante não era considerado um criminoso. Em vários locais do mundo a lei “entendia” esta situação e, muitos, ainda é um atenuante.

              O ciúme, entretanto, mesmo que surja sem motivo aparente, pode ser apenas um mecanismo de defesa saudável, uma antecipação preventiva da perda.

              E um ciúme moderado aponta para o comprometimento.

    A evolução do amor

              Os chimpanzés, nossos primos mais próximos, não formam pares sexuais exclusivos, embora possam formar relações duradouras. Além disto, as relações geralmente ocorrem quando a fêmea está no estro, que é bem claro, já que sua vagina se torna inchada e rosada e ela libera feromônios.

              A hierarquia do macho determina quanto sexo terá. Em um zoológico, observou-se que o dominante obteve 75% das cópulas!          

              Ao contrário do que a cultura popular diz, o amor não foi uma invenção relativamente recente de poetas – homens e mulheres provavelmente sempre sentiram algo parecido, já que sempre dependeram um do outro para o sucesso reprodutivo. O estudo de diversas culturas, mesmo que “primitivas”, mostra isto: em 37 analisadas pelo autor, em todas o “amor” estava em 1º lugar como a principal qualidade na hora de escolher um parceiro. Mesmo culturas não afetadas “pelos poetas” cantam o amor e a dor.

              Herman Hesse disse: “A vida é a luta por status a busca pelo amor.”

               Entretanto, há um enigma. A decisão deveria ser a mais racional da vida, entretanto… agimos “por amor”, que às vezes mais se assemelha a uma forma de demência.

              Mas o amor não é tão idiota quanto parece. Há muita racionalidade nas suas escolhas aparentemente aleatórias.

              Em todo lugar do mundo, mulheres procuram por homens com ambição, senso de humor, inteligência, cuidadores, líderes etc. Como elas terão de carregar uma gestação por nove meses – mais alguns anos da infância – elas naturalmente querem um homem que possa ajudar nisto. Um homem que tenha recursos, no sentido mais amplo da palavra.

              Já os homens querem mulheres com características ligadas à fertilidade: novas, bonitas, saudáveis, de cintura fina. Homens que escolheram mulheres menos férteis não deixaram descendentes.

              Obviamente, declarar a um homem ou mulher que o escolheu por isto acabaria com o romance e muitas destas escolhas são mesmo inconscientes.

              E, de fato, se fosse apenas isto, quase todas as relações estariam em risco constante: bastaria aparecer um oponente levemente melhor.

              E o amor pode ser tão intenso que leva a fins trágicos para o casal, como na história de Romeu e Julieta. Ou pode ser uma loucura solitária, como no caso de John W. Hinckley Jr., que se apaixonou na atriz Jodie Foster e tentou matar o presidente americano Ronald Reagan, em 1981, apenas para mostrar a ela o seu amor, mesmo sabendo que poderia morrer no atentado.

              95% das pessoas, aos 25 anos, disseram já ter experimentado o amor não correspondido (de um ou de outro lado da moeda), em uma pesquisa. Embora isto possa acabar mal, às vezes a insistência vale a pena. Como no caso de Nicolau e Alexandra, no final do século 19. Ele, herdeiro do trono russo, se apaixonou na neta da rainha inglesa aos 16 anos. Ela não quis. Ele insistiu por oito anos – até que ela pediu que ele parasse. Ele saiu de Moscou a Londres. Após dois meses de insistência, ela capitulou – e os diários de ambos mostram que foram muito felizes. Até que chegou a Revolução Russa e foram executados.

              Vemos uma história como a de um louco e a outra como de amor, embora sejam muito semelhantes em alguns aspectos.

              O inseto conhecido como “lovebug”, o macho copula por três dias para evitar o assédio de outros. Nós desenvolvemos o ciúme, que pode durar a vida inteira. “O amor e o ciúme são paixões gêmeas.”

              Mas por que existe o ciúme? Se não existisse uma ameaça real, ele seria desnecessário. A dura verdade é que, sem sua proteção, o “amor” poderia se desfazer muito mais facilmente, pois homens e mulheres desejam outras pessoas.

    Desejos ocultos

              Os “cornos” são objetos de piadas e escárnio em todo o mundo.

              Um jovem diz a sua família que irá se casar com uma garota. O pai o chama em um canto e conta que ela é sua irmã. Meses depois, o mesmo. Até que ele resolve contar à mãe. Ela diz: “Não se preocupe, ele não é seu pai.”

              O senso comum diz – e pesquisas comprovam – que em geral os homens são sexualmente “mais soltos” do que as mulheres.

              Isto não quer dizer que não existam homens “castos” e mulheres “soltas”. Um estudo mostrou que para cada quatro homens que já se imaginaram transando com mais de mil mulheres, havia uma mulher com o mesmo desejo.

              A “culpa” desta diferença entre os sexos não se deve ao machismo. A diferença entre o custo para uma mulher e um homem terem um filho é gigantesca, abissal. O sexo casual traz um alto retorno para o homem; para a mulher, não necessariamente – mais sexo não significará mais filhos. Mas pode significar maiores chances.

              Se as mulheres não “olhassem para o lado”, os homens não teriam desenvolvido o ciúme.

              De fato, a infidelidade feminina é universal. Em qualquer cultura, esta é a principal razão para o divórcio (seguido de perto pela infertilidade).

              Por fim, há a teoria da competição espermática. O esperma pode permanecer viável por sete dias. Produzimos o dobro de esperma que primatas monógamos.

              Nem todos os espermatozoides são iguais. Os “camicases” destroem os espermatozoides comuns de outros homens.

              Por mais que isto cause calafrios em muitos homens, a verdade é que o ser feminino é potencialmente infiel. E, se elas traem mesmo com risco de vexame social, divórcio ou mesmo morte, é inegável que a pulsão para a traição existe.

    Por que as mulheres têm casos

              Embora muitas mulheres não traiam simplesmente por não desejarem outros, muitas não o fazem por pesarem os riscos.

              Se o risco ou as perdas forem baixas, maior a chance de traição. Se os ganhos forem altos, também maior a chance.

              As mulheres ancestrais podiam trair para ganhar um pedaço de carne. Isto poderia significar não morrer de fome.

              Mas elas também trair em busca de melhores genes – e a cauda do pavão é um bom exemplo disto, já que pavões “de baixa qualidade” têm caudas menores e menos brilhosas e os de cauda mais vistosa têm maiores chances de conquistar uma pavoa. Melhores ou mais genes – filhos de diferentes pais funcionam como um seguro contra adversidades.

              Porém o maior benefício, descoberto nos estudos do autor, é o que ele chama de “seguro de relacionamento”, um “backup”. Antigamente, era grande a chance de a mulher ver seu parceiro morrer – de doença, fome ou em guerra tribal. Esqueletos antigos mostram que os mortos nestas guerras eram os homens.

              Assim, pode ser uma tendência natural que elas tenham “estepes”.

              Em duas décadas, o número de casamentos que chegam ao fim, nos Estados Unidos, saltou de 50% para 67%.

    Urgências da ovulação

              A ciência costuma dizer que a ovulação feminina é “críptica”, isto é, nem mesmo a mulher sabe quando está fértil. Além disto, elas perderam o estro, podendo se engajar no sexo em qualquer dia do mês.

              Isto talvez não seja 100% verdade.

              Um estudo acompanhou milhares de mulheres por dois anos. E pediu a elas apenas para marcarem os dias em que sentiam desejo. Um padrão surgiu: o desejo explode (cinco vezes mais provável) durante a fase da ovulação.

              Outro estudo mostrou que, em mulheres que traíam seus parceiros, geralmente os encontros ocorriam quando estavam ovulando. O triste da história, para os maridos, é que o sexo com eles era mais frequente quando elas não estavam ovulando – talvez, inconscientemente, para prendê-los, apenas. Nada disto é consciente, para elas.

              A ovulação pode ter se ocultado, portanto, para favorecer estas estratégias femininas.

    O problema da detecção de sinais

              Como a infidelidade é escondida, isto nos levou a desenvolver um alarme muito sensível – embora pouco específica. Um perfume diferente, uma roupa nova podem não significar nada. Ou podem.

              Um psiquiatra lidou com vários casos de homens que diagnosticou como portadores de ciúme doentio. Como não acreditava que havia cura para isto, recomendava a separação, para as esposas. Tempos depois foi atrás dos casos, para ver o desfecho. Muitas haviam se juntado àqueles homens que eram o alvo do ciúme “delirante” do ex!

              Há situações em que o surgimento do ciúme é previsível. Quando, por exemplo, há grande diferença na “desejabilidade” de cada um. E, de fato, Elaine Hatfield descobriu que o parceiro mais desejável é realmente quem mais trai.