Pular para o conteúdo

“AS 5 LINGUAGENS DO AMOR” FUNCIONA?

    O livro “As 5 linguagens do amor” funciona mesmo? Se o meu relacionamento estiver em crise, o livro pode ajudar ou mesmo resolver?

    Neste texto faremos uma crítica ao livro de Gary Chapman, lançado há mais de 30 anos e um sucesso mundial, com mais de 20 milhões de cópias vendidas.

    As cinco linguagens do amor
    As cinco linguagens do amor

    Antes, entretanto, se você não leu o livro ainda, sugerimos a leitura de nosso texto breve resumo de “As 5 linguagens do amor”. Caso já conheça a obra, prossigamos…

    O americano Gary Chapman é um pastor da Igreja Batista. Atuava como conselheiro matrimonial “prático”, sem licença para isto – a profissão é regulamentada nos Estados Unidos. Também não é um leigo qualquer, tendo formação em Antropologia e um PhD em Educação.

    No ano do lançamento, 1992, “As 5 linguagens do amor” vendeu 8 mil cópias. Um bom número, superando as expectativas da editora – mas nada assustador. Ano a ano, entretanto, o livro começou a vender mais e mais – e começou a ser traduzido para outros países.

    Em 2009, 17 anos após o seu lançamento, o livro chegou na lista dos mais vendidos nos Estados Unidos – e permaneceu ali por mais quatro anos. Então Gary Chapman, provavelmente influenciado pela editora, tentou extrair todo o suco possível desta laranja – e lançou versões como “As 5 linguagens do amor para crianças”, para adolescentes e até para militares!

    É de se espantar que não tenha surgido “As 5 linguagens do amor para pets”. Possivelmente, também seria um sucesso, dado o número de pessoas que, atualmente, amam mais seus animais do que seus parentes ou parceiros… (E após o sucesso da versão “genérica”, viriam as versões apenas para cães, para gatos e, quem sabe, as linguagens do amor das calopsitas…)

    “Toque físico é a minha linguagem do amor!”

    Apesar da ironia acima, Gary Chapman não fez nada de muito anormal. Se um filme ou série é sucesso, terá continuação. “Velozes e furiosos 10”, lançado em 2023, é apenas um entre muitos exemplos possíveis.

    O estrondoso sucesso de “As 5 linguagens do amor” levou alguns psicólogos e estudiosos de relacionamento a se perguntarem se o livro, de fato, continha alguma verdade. Se, de fato, existem cinco linguagens do amor. Se, como afirma Gary Chapman, é o fato de um casal não conseguir “falar” o “idioma” do amor do outro é que leva aos conflitos. Se, como também afirma o autor, ambos entenderem um a linguagem do amor do outro e passarem a falarem, conflitos acabarão e a felicidade surgirá dentro do relacionamento.

    Pesquisas e trabalhos científicos então foram feitos. Neste texto discutiremos os resultados.

    Primeiramente, o que o todos os pesquisadores concordam é que as ideias de Gary Chapman não são, a princípio, científicas. Podem, até, por acaso, serem… Mas, a princípio, não são, pois não nasceram de um estudo planejado, organizado, de como os casais realmente comunicam seu amor ou como entendem o amor do outro.

    No decorrer do livro, Gary Chapman conta como a ideia das linguagens do amor foi lhe surgindo: conversando com um casal aqui, com outro ali, ele teve um clique, um insight: de que cada pessoa comunica o seu amor de determinada maneira e que cada pessoa entende que é amado de determinada maneira.

    Isto é, uma mulher pode pensar que a maneira correta de demonstrar seu amor é através de abraços, carinho. E espera o mesmo de seu parceiro. A linguagem do amor desta pessoa é o toque físico. Seu parceiro, entretanto, pensa que o amor é demonstrado especialmente através de elogios, de apoio, companheirismo – sua linguagem do amor são palavras de afirmação.

    O homem elogia a mulher, mas não é fisicamente carinhoso. Ela é carinhosa, mas ele não liga tanto para isto, gostaria mesmo é de escutar algumas palavras elogiosas dela, que raramente diz, pois ela entende que já está demonstrando seu amor através do carinho.

    Os dois acreditam, então, não serem amados – e começam os conflitos.

    O insight de Gary Chapman é, ao mesmo tempo, óbvio e sensacional. Óbvio porque é óbvio… mas sensacional porque diz o que nunca havia sido dito, desta maneira.

    Porém, voltamos aos psicólogos de casal, aos cientistas etc. Àquelas pessoas que não engolem facilmente qualquer teoria de sucesso sem antes testar sua validade científica…

    Para começar: existem, mesmo, linguagens do amor?

    Ou melhor: cada pessoa tem mesmo uma forma principal de entender como é amado? Será que todas as linguagens não têm alguma importância? Será que se eu receber apenas, digamos, toque físico, estarei satisfeito? Será que quando as pessoas fazem um teste, pensando no seu relacionamento atual, elas não tendem a dar um peso maior apenas ao que está faltando?

    Aponte-se que não podemos culpar Gary Chapman por não ser “científico”. Ele é um pastor que teve uma ideia interessante, e não um cientista! Aos cientistas é que cabe correr atrás de validar (ou refutar) as ideias lançadas por aí, não a quem as lança…

    Quando os cientistas tentaram responder esta primeira questão, não chegaram a um consenso. Um estudo conseguiu testar apenas quatro linguagens, pois encontrou que “presentes” e “atos de serviço” se pareciam muito, conceitualmente, podendo ser reunidos em “atos de sacrifício” (parece triste, mas é assim que algumas pessoas entendem o amor).

    Ok.

    Entretanto, outro estudo encontrou evidências de uma sexta linguagem! Em inglês, “checking-in”. Checar: “Ei, você está bem? Como está? Dormiu bem? Como foi seu dia?” Este tipo de ação. Para algumas pessoas, isto é amar, isto é a demonstração de amor que esperam de seus parceiros.

    Ok. Embora os cientistas não tenham chegado a um consenso sobre quantas linguagens do amor existam, ao menos eles parecem concordar que há mesmo linguagens do amor. Isto é, que, para cada pessoa, certas coisas importam mais do que outras e que são estas coisas que demonstram que meu parceiro me ama.

    Mas isto não é óbvio? Sim, como já dito, a ideia toda do livro de Gary Chapman é muito óbvia.

    O potencial problema da ideia é acreditarmos que existe uma linguagem principal para nosso parceiro – e que as outras linguagens não importam tanto para ele, como “As 5 linguagens do amor” insinua. Se eu descobrir que a linguagem do amor de meu parceiro é, digamos, atos de serviço, então basta eu fazer a janta e lavar os pratos? Não preciso mais elogiá-lo, abraçá-lo, dar algum presente no aniversário de namorou ou casamento etc.?

    É óbvio, óbvio, que não! E aí começam verdadeiramente os problemas do livro de Gary Chapman. O pastor nos diz, com todas as letras, que basta que descubramos a linguagem do amor de nosso parceiro, que ele saiba a nossa e que nos comuniquemos cada um na linguagem do outro que tudo se resolverá, que nos sentiremos amados e retribuiremos com amor, que seremos o casal mais feliz da cidade…

    É óbvio para qualquer um que, na vida real, as coisas não funcionam assim… De fato, um outro trabalho encontrou que as pessoas tendem mesmo a exercitar as cinco linguagens, em níveis variados, e não uma só.

    Os pesquisadores, ainda assim, continuaram a estudar as validades das ideias de Gary Chapman. O mais importante: elas são aplicáveis? Elas trazem algum resultado real? Será que, quando um casal “fala” a linguagem do amor do outro, estes casais estão mais felizes?

    Um estudo encontrou que quando um casal tem a mesma linguagem, isto parece estar associado a uma maior felicidade conjugal. Ok. Ótimo. Mas o mesmo estudo indica que mais felicidade ainda havia em casais onde havia uma maior capacidade de auto-regulação das emoções. Isto é, eu consigo lidar bem com minhas emoções negativas (raiva, estresse, tristeza etc.), sem despejá-las no meu companheiro?

    Por outro lado, outra pesquisa não encontrou grandes diferenças de satisfação entre casais que falavam a mesma linguagem ou não.

    Em resumo, para não nos alongarmos demais citando trabalhos e trabalhos… Quando se somam todos eles, o que eles mostram é que “há alguma coisa” nas ideias de “As 5 linguagens do amor”. Mas que não “isto tudo” que o autor promove…

    Então por que, aparentemente, o livro de Gary Chapman parece mesmo ter tido um efeito benéfico na vida de alguns casais? (Certamente não na vida dos milhões que compraram o livro, mas ao menos na de alguns.)

    Talvez não exatamente por conta das ideias do livro, mas por um efeito indireto dela.

    Se eu compro um livro sobre a melhora de relacionamentos, é porque já estou querendo fazer algo a respeito. Se eu leio o livro e ele me faz pensar sobre as necessidades do meu parceiro e eu começo a fazer algo a respeito, é provável que ele se sinta melhor e me trate melhor. Não porque a linguagem do amor do meu parceiro seja esta ou aquela. Mas porque notei onde, talvez, eu ande faltando. Porque resolvi escutar as suas queixas e tentar atendê-las.

    Logo no início de seu livro, Gary Chapman fala contra artigos, reportagens, com títulos como “20 maneiras de demonstrar o seu amor”. Mas a verdade é que, se o leitor ou leitora desta reportagem executasse mesmo estas 20 maneiras, muito provavelmente a sua relação melhoraria tanto quanto a de quem leu e aplicou o livro do pastor…

    É óbvio: a partir do momento em que você se dedica à sua relação, ela tende a melhorar. Simples assim! E a partir do momento em que você trata a relação com descaso, ela tende a piorar. Simples assim também!

    Note a palavra “tende”: não quer dizer que vai melhorar, que vai ficar boa. Passar a falar a linguagem do amor do seu parceiro após ele descobrir uma traição sua muito provavelmente não será o suficiente para salvar sua relação… Falar a linguagem do amor dele provavelmente não salvará um casamento que enfrenta algum outro estresse grande, como graves problemas financeiros.

    “As 5 linguagens do amor”, portanto, deve ser visto apenas como um começo de um maior entendimento entre o casal. Mas está longe de ser garantia de qualquer coisa.

    Até porque, às vezes, o amor simplesmente acaba. E aí não há mais “linguagem”, apenas um “silêncio ensurdecedor”…