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A QUÍMICA DA PAIXÃO

    (cap. 2, parte 2)

    – “Nós temos química!”

              Cerca de 40 a 60% dos nossos traços de personalidade são inatos. Há quatro sistemas cerebrais que são cada um associado a uma específica constelação de traços de personalidade: os sistemas da dopamina, serotonina, testosterona e estrogênio/ocitocina.

              A autora desenvolveu um questionário (agora chamado de Inventário Temperamental de Fischer) sobre personalidade com 56 itens para medir a expressão de cada traço em um indivíduo. O questionário foi para o site Chemistry.com e para o Match.com – e foi respondido por 14 milhões de pessoas.

              Curiosamente, ao avaliar uma amostra de 100 mil respostas, não se encontrou nenhum resultado idêntico!

              Entretanto, quando se avaliou como milhares de pessoas se juntaram através dos sites, alguns padrões naturais foram encontrados.

    – A biologia da escolha do parceiro

              Pessoas com traços de personalidade ligados à dopamina tendem a se ligar com pessoas parecidas com elas mesmas. São pessoas curiosas, espontâneas, criativas, energéticas. São pessoas nascidas livres. Querem parceiros para desbravar cidades, desertos e montanhas. Ou, mais calmamente, companhia para o balé, o teatro. Platão chamou a estas pessoas de “artesãos”. A autora os chama de “exploradores”, vivendo no polo curioso/energético.

              As pessoas construídas pela serotonina também procuram semelhantes. Estas pessoas tendem a ser tradicionais, calmas, cautelosas. Gostam do que é familiar. Seguem as regras, respeitam as autoridades. Gostam de planejamento, rotinas. Estes pilares da sociedade Platão chamou de “guardiães”. A autora os coloca no polo cauteloso/conformados com as normas sociais e os chama de “construtores”.

              Já as pessoas de personalidade guiada pela testosterona e pessoas ligadas a traços definidos pelo estrogênio tendem a buscar uns aos outros.

              A testosterona elevada deixa marcas no corpo também: testa alta, mandíbula esculpida etc. Na personalidade, possuem altas habilidades espaciais e matemáticas. Tendem a ser céticas, inventivas, competitivas. São diretas no que querem. Platão: “racionais”. Fischer: “diretores”, no polo analítico/mente rígida. A maioria é homem.

              A personalidade-estrogênio cria os “negociadores”. Eles enxergam o quadro inteiro. Têm uma avaliação holística, de longo prazo. São habilidosas com as palavras, cuidadosas ao lidar com outras pessoas, altamente imaginativas e intuitivas, emocionalmente expressivas. Para Platão, eram os “reis filósofos”. A maioria é mulher. Estão no polo pró-social/empáticas.

    – Amor romântico: um traço universal

              O amor romântico não parece ser uma simples criação da cultura ocidental, fruto de ideias de trovadores europeus dos séculos 11 ao 13.

              Vatsayana, autor do “Kama Sutra”, claramente falava do amor romântico – e viveu na Índia entre os séculos 1 e 6. Há exemplos também nas antigas cultura chinesa e japonesa.

              Entre povos isolados também há mitos e comportamentos relacionados ao amor. Garotas Yukaghir da Sibéria escrevem cartas de amor em cascas de bétula.

              Mesmo entre povos que aparentemente vivem sexualmente de forma mais livre, ocasionalmente alguns membros são acometidos pelo ciúme, pelo sentimento de posse. Entre os Mangaian da Polinésia, às vezes um jovem a quem não é permitido se casar com sua namorada se suicida.

              Os antropólogos William Jankowiak e Edward Fischer, pesquisando 168 culturas, encontraram evidências do amor romântico em ao menos 87% delas. Nas restantes 13%, apenas não encontraram “evidências contrárias”.

    – Amor homossexual

              Uma pesquisa com milhares de pessoas mostrou que gays e lésbicas se apaixonam tanto quanto os heterossexuais. Também se apaixonam “à primeira vista” da mesma maneira e mostram o mesmo desejo de ter um compromisso sério.

              Em exames de imagem, ao verem imagens das pessoas que amam, as mesmas áreas foram ativadas tanto em heteros quanto homossexuais.

    – Magnetismo animal

              O poeta Robert Herrick afirmou: “Nenhum homem pode ser ao mesmo tempo sábio e amar.”

              Animais podem sentir algo parecido ao que chamamos de amor. E podem até ter sentimentos confusos em relação a isto. Um dos casos mais curiosos foi o de um alce que aparentemente se apaixonou por uma vaca – o alce perseguiu a vaca por mais de dois meses, até perceber que não seria correspondido.

              Animais de pena ou de pelos mostram evidências de sentir tudo o que sentimos. Girafas gentilmente se acariciam antes do acasalamento. Babuínos, chimpanzés e outros primatas mostram preferência por uma parceira em especial, amizade que perdura mesmo quando ela não está sexualmente disponível.

              Quase nenhum pássaro ou mamífero irá copular com qualquer um que encontre. Mesmo no pico do estro, as fêmeas escolhem algum(ns), repelem outros.

    – Amor à primeira vista

              Darwin descreveu um caso em que acreditava que uma pata havia “se apaixonado à primeira vista” por um pato que havia acabado de chegar ao seu território.

              Esta atração súbita pode ter uma função adaptativa. Talvez sirva para estimular o processo de acasalamento.

              Mas o que é isto que chamamos de “amor”, como a natureza criou este sentimento físico?

    – O circuito cerebral do amor

              A autora desenhou um experimento para visualizar o cérebro dos apaixonados. Deveriam, enquanto submetidos a exame de imagem cerebral, visualizar fotos neutras e fotos da pessoa amada. Com a participação de dois colegas, 17 recém-apaixonados (em média há 7 meses) foram testados.

              Foi encontrada atividade aumentada em várias áreas cerebrais, quando os voluntários viam as fotos dos amados, mas especialmente na área tegmentar ventral (ATV), uma pequena área na base do cérebro que fabrica dopamina e a envia para várias áreas do cérebro. Esta “fábrica” é parte do sistema de recompensa, que gera desejo, craving, motivação, energia, foco, busca.  Não surpreende que os apaixonados pareçam tão cheios de vida. Elas estão literalmente “drogados”.

              E os homens demonstram que sentem isto, no exame de imagem, tão intensamente quanto as mulheres – como Tennov já havia notado.

              Um novo estudo foi feito na China e demonstrou resultados similares. Não é, o amor, uma “invenção do Ocidente”.

    – O drive para o amor… um vício natural

              Como a ATV está muito próxima de áreas que controlam a sede e a fome, a autora postula que o amor seja um drive humano básico. A neurocientista Lucy Brown, que com a autora participou do estudo de imagens, afirma que o amor romântico é um mecanismo de sobrevivência tão crucial quanto o craving por água.

              E é também um vício. As imagens mostraram também ativação do nucleus accumbens, área parte do sistema de recompensa, associada com todas as dependências, de drogas a jogos, sexo e comida.

              Isto não é exclusividade nossa. Em ratazanas da pradaria fêmeas, quando afeitas a um macho, há aumento de 50% na atividade de dopamina no sistema de recompensa.

              O sistema pode ter evoluído para poupar tempo e energia na escolha de parceiros.

              Na maioria das espécies, entretanto, a ligação é tênue, podendo durar de minutos a, no máximo, semanas. Em humanos pode durar anos.

    – A cegueira do amor

              As pessoas partem de diferentes estados basais de dopamina. Assim, alguns parecem mais vulneráveis a se apaixonar do que outros.

              Porém outros fatores podem intervir. Algumas pessoas que sofrem de hipopituarismo reportam nunca ter se apaixonado – porém algumas destas chegam a se casar, por companhia.

              Antidepressivos que aumentam a serotonina podem suprimir as vias dopaminérgicas e mitigar as emoções.

              As experiências de uma pessoa também podem afetar a capacidade para o romance.

              Porém, uma vez que surja, ele irá ativar as mesmas vias em todos nós. Mas ele pode durar?

    – A trajetória do amor

              Uma hora aquele sentimento inicial se acalma – amores mantidos à distância, separados por um oceano, podem durar mais, anos.

              Tennov mediu o tempo entre a paixão e aquele sentimento mais calmo. Concluiu que durava, mais comumente, entre 18 meses e três anos.

              Outros trabalhos mostram diferentes durações. Em pesquisa da Match.com, 18% das pessoas disseram que o sentimento durou ou já durava mais de 10 anos.

              Como acaba? Talvez a via dopaminérgica se habitue, se esgote. O psiquiatra Michael Liebowitz adverte, quem quiser que o sentimento dure terá de trabalhar para isto, pois estará indo contra uma maré biológica.

              A psicóloga Bianca Acevedo colocou pessoas em relacionamentos de longo prazo (em média, casados há 21 anos) nos aparelhos de escaneamento cerebral. Todos diziam amar seus companheiros. Não era mentira: as imagens mostraram o mesmo padrão de ativação da ATV. Porém houve uma diferença em relação aos recém-apaixonados: estes mostraram também ativação em uma área relacionada à ansiedade, enquanto os antigos amantes tinham ativadas áreas relacionadas à calma e supressão da dor.

              Portanto, os amantes de longo prazo podem continuar a sentir intensidade e atração sexual, porém sem a obsessão tóxica por seus parceiros.

              Stendhal escreveu: “O amor é como uma febre; ele vem e vai independentemente de nossa vontade.” O pulso, o ritmo do amor, pode ter sido impresso em nós como parte de nossa natureza humana.