CAP. 3 – ABALANDO O MITO: AS FÊMEAS (A ESCOLHA DOS GENES DOS MACHOS)
Darwin, em “A origem do homem e a seleção sexual” (1871) escreveu que “os machos quase sempre são os cortejadores” e que “a fêmea, embora comparativamente passiva, em geral exerce mais o senso de escolha e dá preferência a um macho em detrimento de outros.”
A visão prevalece ainda hoje porque talvez seja reconfortante para o ego dos biólogos, em sua maioria homens.
Não que Darwin estivesse errado, porém não está de todo certo.
“Não é verdade que as fêmeas aceitem um macho e apenas um. Elas aceitam um macho de preferência a outros… enquanto, em geral, experimentam outros também!”
“A timidez pode ter seu valor na política pública.” Principalmente se a fêmea está ao lado do seu macho. “Mas isto não reflete necessariamente o que elas fazem em particular.”
As evidências de que as fêmeas não são as monógamas confiáveis que se pensava vêm se acumulando “rápida e furiosamente”.
Por que elas traem? “Porque gostam, acham excitante, interessante” é uma boa explicação, porém simplória. A pergunta deveria ser: “Por que gostam?” Isto é: qual o benefício biológico, qual a recompensa (além do prazer)?
Há dois tipos de benefícios básicos: o genético e o direto – benefícios materiais.
A explicação mais simples é a garantia de fertilidade.
Um homem que produza menos de 50 milhões de espermatozoides por ejaculação é, em geral, considerado estéril. E além de em bom número, estes têm de ser viáveis, isto é, capazes de nadar rapidamente até o óvulo. Etc.
Dito de forma clara: a fêmea que copula com mais de um macho têm maior probabilidade de conseguir que todos os ovos sejam fertilizados.
As fêmeas de corvo-marinho, por exemplo, têm maior probabilidade de se envolverem em CEPs após produzirem uma ninhada pequena.
Em um estudo com melros de asa vermelha, o pico de CEPs procuradas pelas fêmeas ocorre numa data em que está mais fértil do que no pico de CIPs. Em outras populações da mesma ave as fêmeas não chegam a ir atrás dos machos para CEPs – elas apenas resistem ou aceitam, quando assediadas.
As CEPs dão uma “segurança de esperma” à fêmea.
Entre uma espécie de cães da pradaria, a fêmea que copula com apenas um macho tem 92% de engravidar; a que copula com três, 100% – e o tamanho da ninhada desta geralmente é maior. Porém é importante apontar que nem todos os mamíferos mostram este padrão. Aliás, em outra espécie de cão da pradaria o mesmo não foi observado. Em alguns casos, porém em laboratório, observou-se mesmo uma redução do sucesso reprodutivo com o acasalamento sequencial.
A busca por CEPs pode ir além da garantia de fertilidade, entretanto.
Considere que a variabilidade genética na ejaculação de um único macho oferece quase a mesma gama que pode ser obtida no cruzamento com vários machos.
A endogamia (acasalamento de parentes próximos) traz o risco de problemas como deformidades físicas (o mesmo pode ocorrer com exogamia extrema). Quando uma fêmea de uma espécie de lagarto se acasala com um parente próximo e com um macho distante, a maior parte de suas crias terá como pai o macho distante. Portanto, a CEP pode ter evoluído para aumentar a probabilidade de a fêmea encontrar um parceiro geneticamente diferente – nem semelhante demais, nem diferente demais.
Quando fêmeas de camundongo copulam com machos com CHP (complexo de histocompatibilidade principal) incompatíveis com os seus, as crias serão abortadas. Quando estão em territórios com machos com CHP incompatíveis, elas se envolvem em CEPs com machos compatíveis. Aparentemente, genes CHP diferentes produzem diferentes odores.
As fêmeas de primatas mostram particular interesse em se acasalar com um macho novo no bando – embora quase sempre estes sejam de classe social inferior. Entre os humanos, há o clichê do homem recém-chegado “e misterioso”.
Em alguns insetos, a fêmea deposita um odor característico no macho com o qual já copulou – figurinha repetida não completa álbum. Em um tipo de besouro, a fêmea até acasala com um macho com o qual já se acasalou, porém comumente preferirá um novo, se tiver a opção.
Em uma ampla quantidade de espécies, enfim, as fêmeas exercem a escolha de seus parceiros sexuais – em geral, preferindo mais de um.
É digno de nota que, na natureza, as fêmeas só raras vezes têm casos com machos não-pareados. É dos casados que elas gostam mais. Os solteiros devem ser solteiros por um bom motivo.
Em espécies que vão de elefantes a elefantes-marinhos, as fêmeas parecem fazer “qualquer coisa” para se associar com um macho dominante – e gritam alto quando um macho subordinado tenta montar nelas.
A escolha da fêmea, entretanto, muitas vezes é indireta. Ela apenas anuncia que está no cio e os machos que comecem a competir entre si.
O galo silvestre não precisa obrigar as fêmeas a copular com ele; só os galos subordinados precisam se rebaixar a isto. Após uma copulação forçada obtida por um macho inferior, a galinha comumente se sacode vigorosamente, expulsando o esperma da cloaca. Ela pode, depois, ir rumo a seu macho e solicitar uma cópula com ele.
Uma opção para as fêmeas é se acasalar “com o primeiro que aparecer” e, depois, acasalar novamente apenas se o próximo a aparecer for melhor do que o anterior. A fêmea do papa-moscas-preto visita em média 3,8 machos antes de escolher um.
Dependendo da quantidade de bons machos disponíveis, uma fêmea pode ser obrigada a se contentar com o que lhe sobrou. “Se tivesse oportunidade, a fêmea teria escolhido outro.” Por outro lado, se, após parear, ainda há muitos machos bons/melhores… “Sob estas condições, ‘até que a morte nos separe’ não faz muito sentido.”
Isto é, se elas conseguirem elevar o padrão, o farão. Acasale-se com um macho que preencha os critérios mínimos. Depois continue disponível para acasalar-se com um melhor, se ele aparecer. Hipergamia.
Em uma espécie de salamandra submetida a um experimento, a fêmea era exposta de tempos em tempos a um macho diferente. Após se acasalarem a primeira vez, elas só voltavam a fazê-lo se o próximo macho tivesse uma crista maior. Comportamento bem parecido foi observado numa espécie de aranha.
A fêmea não quer apenas uma coisa – há vários benefícios a se procurar nos machos: beleza, força, recursos etc. “Se um macho geneticamente inferior termina com uma propriedade de alta qualidade, ele também pode terminar com uma fêmea que procura por parceiros sexuais em outros lugares.”
Em espécies não-territorialista, como aves aquáticas como os patos, as CEPs podem ser menos importantes. Muitas vezes as fêmeas até resistem vigorosamente às CEPs.
O padrão mais comum nas aves é a fêmea controlar o timing da cópula. Elas param de copular, geralmente, quando ainda estão férteis. Já obtiveram esperma suficiente para garantir a fertilização de seus ovos, mas dão espaço para eventual melhoria genética. Como há a vantagem do último macho, o novo parceiro, se aparecer, provavelmente gerará proporcionalmente mais filhotes do que o “marido” desta fêmea.
A “escalada”, muitas vezes, não é “promiscuidade” da fêmea – pelo contrário, elas são bastante seletivas! Elas estão tentando apenas “tirar proveito sempre que possível”.
“Promiscuidade” seria algo próximo do que se vê, por exemplo, nas fêmeas do pseudo-escorpião, sempre em busca de novidades. (Elas, na verdade, não se acasalam com o próximo macho que encontram, mas com o subsequente, depois rejeitam o próximo. A tática é para diminuir a chance de se acasalar com o mesmo duas vezes! Depois de 48 horas sem acasalamento, entretanto, o antigo torna-se potencialmente uma novidade.)
O padrão mais frequente, entretanto, não é tanto uma busca por diversidade, mas por qualidade.
As fêmeas de pardais domésticos mais provavelmente terão CEPs com machos que exibem grandes manchas escuras no pescoço – sinal de vigor entre estes pássaros.
As fêmeas de diamantes-mandarim só terão CEPs com machos com bicos mais brilhantes do que o de seus parceiros. Na verdade, um estudo em que foram pintadas faixas vermelhas nas pernas de alguns machos e verdes em outros, as faixas vermelhas aumentavam a probabilidade de CEPs.
A predominância de CEPs, necessário dizer, é muito variável, indo de aparente 0% em algumas espécies a quase 100% em outras. O padrão geral, entretanto, é um envolvimento maior das fêmeas do que do machos em CEPs.
Isto casa com o preceito de que o sucesso reprodutivo dos machos varia mais do que o das fêmeas – poucos machos conseguirão ter filhotes além da sua ligação fixa.
“Enquanto os machos anseiam por ser chamados, poucos serão escolhidos; já as fêmeas, é provável que qualquer uma disposta a assumir os riscos de uma CEP seja capaz de obtê-la.”
A espécie com maior índice de traição, aparentemente, é a garriça-das-fadas da Austrália. Os animais cuidam dos filhotes de forma grupal, cooperativa. Entretanto, 75% da prole tem pais de fora do grupo. Quase 95% das crias têm um filhote extra-grupo. Entretanto, que não se pense que as fêmeas sejam (tão) promíscuas – elas geralmente resistem à tentação – só cedem com os machos que desejam. De 68 possíveis pais fora de um grupo estudado, três foram responsáveis por quase metade de toda a prole extrapar.
Nem sempre estes animais vivem em grupos, contudo. Quando se acasalam aos pares, a fêmea se envolve menos em CEPs – e o provável pai se dedica mais ao filhote.
Como as fêmeas sabem o que são bons genes?
As pererecas-do-paraíso preferem sapos com grunhidos mais longos. E, de fato, os filhotes destes produzem filhotes com maior probabilidade de sobreviver do que os dos sapos de grunhidos mais curtos.
A cor extravagante de muitos animais machos pode ser um sinal de saúde, de que sobreviveram a parasitas. Os machos menos coloridos têm, em geral, maior chance de serem traídos.
Espécies com alta frequência de CEPs tendem a ser dicromáticas.
Pesquisadores diminuíram o azul do pescoço de pisco-de-peito-azul – e suas fêmeas se tornaram mais propensas a CEPs. Os machos afetados aparentemente perceberam a perda de atratividade, pois aumentaram a atividade de guarda – inutilmente.
Em algumas espécies, quanto mais velho o macho, mais colorido fica – sinal de longevidade.
Machos de andorinhas com caudas artificialmente aumentadas têm uma probabilidade oito vezes maior de se acasalar novamente – e, claro, maior chance de que este acasalamento extra seja com uma fêmea já pareada.
Em um outro estudo com andorinhas-de-bando, os machos com cauda artificialmente encurtadas tinham 60% de sua prole gerada por CEPs; entre os normais, 40%; entre os de cauda alongada, apenas 12%.
Na natureza em geral, quando todos os machos são mais ou menos parecidos, a probabilidade de CEPs diminui; em ambientes desiguais, aumenta.
As fêmeas de chapim-azul, sabe-se lá como, reconhecem os machos com maior probabilidade de sobreviver ao inverno – e os com menor probabilidade têm maior chance de serem traídos. Os escolhidos com “amantes” sobrevivem mais ao inverno.
Outras fêmeas escolhem pela dominância. Henry Kissinger disse: “O poder é o melhor afrodisíaco.”
Entre os Poecile atricapilla, parentes do chapim-azul, nenhuma fêmea associada a um macho alfa, em um grupo observado, se envolveu em CEP. As que se envolveram, por outro lado, foram elas a procurar as CEPs.
Estes animais geralmente formam casais que duram a vida toda. Ou deveriam durar. Foram sete casos de divórcio observados – em cinco, uma fêmea abandonou seu marido para ficar com um macho alfa recentemente enviuvado.
Em geral, a resistência das fêmeas da maioria das espécies a uma CEP é maior do que a aquiescência ou solicitação. Elas cederão – mas não para todos, e sim para os melhores
Há uma característica universal, na natureza, indicativa de bons genes? Aparentemente, sim: a simetria. A assimetria geralmente indica alguma perturbação no desenvolvimento: mutações, má-nutrição, patógenos, toxinas.
A atratividade relacionada à simetria tem sido observada de insetos a primatas.
Homens mais simétricos têm mais parceiras sexuais. As mulheres relatam mais orgasmos quando fazem sexo com homens simétricos.
Homens mais simétricos se envolveram em mais CEPs e também foram o terceiro mais vezes do que os não-simétricos, mostrou um estudo. Isto foi observado mesmo após o estudo controlar idade, status, condição econômica e até mesmo a atratividade física.
Pode ser, mas não se sabe, que a simetria se relacione a alguma outra coisa, como autoconfiança, feromônios desconhecidos etc. De toda forma, os simétricos vencem.
Um achado paralelo do mesmo estudo foi que mulheres com “ligação ansiosa” têm mais amantes do que aquelas com “ligação de evitação”. Outro foi que o grau de simetria física de uma mulher não prevê o número de CEPs.
Isto condiz com a ideia de que o sexo extrapar de uma mulher depende de sua predisposição mental a isto. Já o dos homens depende de sua desejabilidade. “Os homens em geral estão dispostos; as mulheres em geral são capazes” – e elas os farão especialmente com os mais simétricos.
Muitas vezes, os pesquisadores não conseguem perceber o que torna um macho mais atraente do que outros, para as fêmeas. Talvez seja apenas uma bola de neve, com vida própria, como apontou o pai da Estatística, e pioneiro da genética da evolução, R. A. Fischer, décadas atrás.
A ideia é chamada agora de “hipótese do filho sexy”. Se um macho é um pouco mais desejado do que outros, outras fêmeas querem competir por ele. Os filhos do macho sexy serão mais atraentes do que os dos machos não sexy – apesar de estes filhos não apresentarem nenhum indicativo óbvio de melhores genes.
Um estudo com uma espécie de mosquito demonstrou o efeito. Os pesquisadores descobriram quais machos eram mais desejados. As fêmeas foram obrigadas a se acasalar, algumas, com machos desejados ou com machos menos desejados. As proles de ambos os grupos foram equivalentes em viabilidade, número etc. Entretanto, os filhos dos machos sexy eram mais desejado do que os dos machos não sexy.
Outro estudo colocou uma fêmea falsa perto de um macho de guppy que havia escolhido outro macho. Novo teste de escolha foi feito e a fêmea passou a preferir o rejeitado.
As fêmeas de muitas espécies podem favorecer um macho apenas com base na qualidade de seu esperma. Estudos realizados com vários animais, fêmeas inseminadas com iguais quantidades de esperma de diferentes machos, em quase todos os casos o esperma de um era mais eficaz do que o de outro.
Assim, é razoável que as fêmeas criem meios de aumentar a capacidade de filtragem dos bons e ruins espermas.
A forma mais simples é criar competição: acasalar com vários machos. “E é precisamente o que fazem.” As fêmeas de uma espécie de esquilo, por exemplo, ficam no estro apenas quatro horas por ano – neste período, copulam com quatro ou cinco machos, em média.
Porém elas podem subir a barra, criando sistemas genitais longos ou que dificultem a vida de alguns espermatozoides. Fêmeas de insetos têm verdadeiros labirintos.
Isto tem sido chamado de “escolha críptica da fêmea”.
Fêmeas de chimps se acasalam com muitos machos enquanto estão ovulando. Os machos têm testículos excepcionalmente grandes e pênis compridos. Um estudo mostrou que os pênis da maioria dos machos excedia o tamanho da vagina da maioria das fêmeas – quando elas não estavam no estro. Em compensação, quando no cio, sua vagina se alonga – e sete dos 11 machos não chegaria à cérvice de nenhuma das 19 fêmeas estudadas. Os outros quatro só chegariam em uma delas!
Os ovos da fêmea das espécies de fertilização interna ficam lá atrás, no fundo. O esperma passa por uma “sala de espera” e têm de enfrentar obstáculos como cílios que, às vezes, os empurram para trás. O terreno é quimicamente ou fisicamente (fagócitos) letal para muitos.
Tratos reprodutores de mamíferos e aves é especialmente hostil para o espermatozoide.
A expressão “competição espermática”, segundo o teórico da evolução William Eberhard, dá a impressão de, mais uma vez, é apenas o macho o ativo. Porém as fêmeas atuam, também, por exemplo com pequenas torções peristálticas a favor da corrente – ou com cílios invertendo a direção.
Os machos de insetos têm de fazer várias “acrobacias” para vencer a resistência: eles lambem, chutam, empurram etc. a fêmea.
A vagina da maioria dos mamíferos tem pH muito baixo (ácido), o que é danoso para o espermatozoide. Isto, supostamente, as protege de infeções bacterianas. Entretanto, as fêmeas conseguem reduzir ainda mais o pH. Os machos reagem, evolutivamente, produzindo secreções seminais que aumentam o pH.
A cérvice costuma ser lar de milhões de leucócitos – devoradores daqueles corpos estranhos, os espermatozoides. As mulheres, em particular, têm altas concentrações de anticorpos anti-espermatozoide no muco cervical.
Não é tudo. Os próprios ovos são de difícil penetração para a quantidade ínfima de espermatozoides que venceram a saga de chegar até ele.
“Se uma fêmea tem apenas um parceiro sexual, ela não recebe recompensa alguma ao tornar as coisas difíceis para ele.”
Tudo isto pode ser, basicamente, uma defesa contra o estupro – que geraria uma gravidez indesejada.