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A EVOLUÇÃO DO AMOR

    CAP. 7 – FORA DO ÉDEN (SOBRE A ORIGEM DA MONOGAMIA E DA DESERÇÃO)

              Em 1978 a arqueologista Mary Leakey encontrou pegadas feitas em lava que remontavam a cerca de 3,6 milhões de anos, na Tanzânia. Posteriormente foram encontrados crânios e dentes de vários indivíduos.

    – “Lucy in the sky with Diamonds”

              Ao norte, na Etiópia, região de Afar, viveu Lucy, há cerca de 3,2 milhões, de anos. Descoberta pelo antropologista Donald Johanson, o nome dela veio da música dos Beatles. Posteriormente foram encontrados restos de mais alguns indivíduos que podem ter sido seus contemporâneos.

              Lucy e a turma da lava foram incluídos entre os Australopithecus afarensis.

              Machos eram significativamente maiores do que fêmeas.

              A forma do osso hioide indica que ainda não tinham o dom de falar como nós. Ainda assim, e apesar de várias outras diferenças, como o cérebro muito menor, são considerados os primeiros membros da árvore genealógica humana.

              Aparentemente. Viviam em bandos de 12 a 25 parentes; formavam vínculos temporários após a puberdade e permaneciam emparelhados até o fim da infância de um filho (três a quatro anos) – então se separavam. Novos pares eram formados.

    – O cadinho

              A teoria da autora é que começamos pouco a pouco a nos aventurar na savana, para caçar.

    – Piratas de carne

              O antropologista Gary Tunnell testou a hipótese. Montou uma barraca numa área em que havia nove leões. À noite dormia em penhascos altos onde os leões não podiam alcançá-lo, mas ele poderia ouvi-los caçando. De manhã, quando eles dormiam, ele sempre encontrava proteína deixada por eles (não comeu nada).

              Concluiu que, com mais um companheiro, nosso ancestral poderia alimentar 10 pessoas, com astúcia e uma pedra afiada. Desde que ficasse longe das hienas, que competiam conosco pelos restos.

              Os Hadza da Tanzânia fazem algo semelhante na época da seca.

              Entretanto, nossos ancestrais ainda dependiam basicamente de vegetais.

    – Evolução do bipedalismo

              Para Tunnel, o bipedalismo surgiu para carregar coisas: galhos, pedras – e o alimento para um local mais seguro.

              Para a autora, entretanto, o bipedalismo iniciaria uma revolução sexual.

    – O limite da monogamia

              Antes as fêmeas carregavam os filhotes nas costas – agora tinham de carregar com os braços. Antes os filhotes estavam seguros nas árvores; nas savanas, seriam alvo fácil se abandonados temporariamente no solo.

              A autora propõe, então, que elas passam a precisar mais dos machos – tanto para proteção, como para comida. É o tempo de surgirem maridos e pais.

    – Paternidade

              Ligações de longo prazo são raras na natureza. Embora 90% dos pássaros formem, apenas 3% dos mamíferos o fazem com um único parceiro – entre estas espécies, todos os cães selvagens: raposas, lobos, coiotes, chacais e o lobo guará da América do Sul.

    Os machos da maioria das espécies querem fazer haréns. E eles fazem isto de diversas maneiras.

    Se um macho pode controlar um local rico em recursos, várias fêmeas se juntarão a ele. Os impalas (um antílope do sul da África) tentam controlar grandes territórios de pastagens.

    Se os recursos estão bem distribuídos no território, um macho pode se juntar a várias fêmeas viajantes e tornar-se protetor delas, como os leões.

    Orangotangos tentam controlar um grande território e lutam para acasalar com as fêmeas que estão por ali.

    Para as fêmeas de muitas espécies, também parece não haver muita vantagem em estar com um macho apenas. Elas preferem viver com as parentes e copular com visitantes, como as do elefante.

    As chimpanzés, para obter proteção dos machos, viajam com um grupo deles – e copulam com vários.

    Para a monogamia vencer como melhor opção, uma série de pré-requisitos precisa acontecer, aparentemente. É o que vemos entre as raposas vermelhas e os tordos (pássaros) orientais.

    – Amor de raposa

              As fêmeas da raposa vermelha dão à luz bebês extremamente indefesos. Os filhotes, às vezes até cinco em uma ninhada, nascem cegos e surdos. Além disto o leite da mãe é pobre em gordura e proteínas, então ela precisa amamentá-los constantemente por várias semanas. A raposa, então, morrerá de fome se não tiver um macho para trazer comida para ela.

              O macho precisa que seus filhos sobrevivam. E como terá de ajudar nesta sobrevivência, ele viaja com a fêmea enquanto ela está no estro, para garantir a paternidade.

              As raposas vivem em regiões de recursos dispersos. Assim uma segunda fêmea não terá vantagem em se juntar a um macho já comprometido.    

              Porém! Os pares não são eternos…

              Em fevereiro, ela começa a “dança do acasalamento” e vários machos ficam no seu encalço, até que ela escolha um. Durante o verão, ambos os pais guardam a toca e ensinam os seus filhotes. Mas quando o verão acaba, o pai retorna cada vez menos à toca. Em agosto o temperamento da mãe também muda – ela passa a sair sozinha.

              A ligação, portanto, só acontece no período de breeding.

              *

              Isto também é comum entre pássaros. A história do tordo é bem parecida.

              O ornitologista Eugene Morton estimou que em pelo menos 50% das espécies monógamas de aves a duração “de longo prazo” dura apenas o período de breeding.

    – Uma teoria sobre a evolução da monogamia e deserção

              Nosso primeiro ancestral hominini tinha muito em comum com raposas vermelhas e tordos orientais.

              Os recursos estavam espalhados. Um macho não conseguiria monopolizar um território especialmente rico – nem defender um eventual harém de outros machos.

              É improvável que nossas ancestrais dessem à luz bebês altamente dependentes (altriciais), como as mulheres de hoje, ou que dessem à luz ninhadas. Nenhum dos macacos dá luz a ninhadas.

              Mas quando nos tornamos bípedes, a fêmea se tornou sobrecarregada com seu bebê. E a ligação de “longo” prazo se tornou vantajosa para ela.

    – A coceira dos três a quatro anos

              Por que esta ligação, entretanto, teria de ser eterna?

              Quando a mãe já não precisa mais cuidar tanto da criança, a necessidade de um marido também diminui. O macho estava livre – a não ser que um segundo bebê nascesse.

              Um ponto central, para a tese da autora, é o seguinte: nas sociedades CC, o intervalo de nascimento de bebês tende a ser a cada três ou quatro anos.

              Entre as !Kung, por exemplo, onde além dos cuidados maternos intensos há um grande nível de exercícios e dieta pobre em gorduras, a ovulação é suprimida – por cerca de três anos.     

              *

              Claro, haveria exceções ao padrão. Uma fêmea pode se mostrar infértil e ainda assim o macho permanecer com ela, pois desenvolveram afeição.

    – Natureza vermelha em dentes e garras

              A ligação serial provavelmente seja adaptativa, apesar de muitos de nós idealizarmos a ligação eterna.

              Do ponto de vista darwiniano, entretanto, a ligação serial tem suas vantagens. A primeira e mais importante é a variabilidade genética. Em um ambiente instável como a savana, isto é um grande capital.

              Além disto, na “segunda rodada”, um macho poderia escolher uma fêmea mais nova; a fêmea, um macho com mais recursos/proteção. Estes padrões ainda prevalecem hoje!

               Mas qual a vantagem para um macho assumir uma mãe solteira? Isto é, o DNA de outro? Hoje, realmente, a desvantagem é grande, já que crianças precisam de escolas caras – e querem iPhones e viajar à Disney. Entretanto, entre nossos ancestrais, a criança vivia em uma comunidade – o núcleo familiar isolado não existia. Entre sociedades tradicionais atuais, o stepparenting é comum.

              Para a criança, as consequências do “divórcio” não aparentam ser grandes. Desde que o padrasto não surja cedo demais. Como sofrem os leões bebês assassinados com a entrada precoce de um novo macho. A fêmea rapidamente volta ao estro.

              Nos Estados Unidos e Canadá o índice de infanticídio por padrastos cai se a criança já atingiu os quatro anos.

    – Formando pares com os vizinhos

              Um dos pais da antropologia, Edward Taylor, afirmou em 1889: “Entre tribos de baixa cultura, só há um meio de manter as alianças: o casamento misto.” “Case-se ou morra.”

              Porém estes primeiros casamentos tendem a não durar tanto. Aparentemente, ninguém fica muito chateado com estes divórcios, especialmente se não há filhos ainda. O acordo inicial do casamento foi honrado, ao menos.  

              E um novo casamento, com um vizinho, pode aumentar os laços sociais.

              Os ancestrais que fizeram ligações seriais provavelmente deixaram mais descendentes.

    – Ressalvas

              Mesmo entre outros primatas, os “rearranjos” com frequência levam a lutas mortais. Isto é, nem sempre o divórcio foi/é simples.

              Também não sugere a autora que as crianças estão “prontas” por volta dos três anos.

              Nem que todos os casais se separavam. Certamente, sob certas circunstâncias, vários pares duravam.

              Porém, para a autora, a monogamia serial provavelmente era o nosso padrão na pré-história.

    – Amizades especiais

              Provavelmente começamos como os chmipz – todos copulando com todos. Então a monogamia lentamente apareceu. A vida dos babuínos-anúbis pode ser um modelo.

              Eles peregrinam em grupos de cerca de 60 animais. Cada grupo é composto de algumas famílias centradas na fêmea. Comumente há uma família mais “importante”. A maioria dos filhos, na puberdade, se junta a um novo grupo – criando uma “amizade especial” com uma fêmea, para a qual dá carne etc.

              No estro, a fêmea dos babuínos forma uma ligação com um único macho – geralmente, um “amigo”. Outros machos tentam “distrair” a fêmea.

              O macho usará o bebê como “escudo” se outro macho o ameaça – e o ataque cessa.

    – A estratégia reprodutiva mista humana

              As evidências levam a crer que há alguns milhões de anos está inscrito em nosso programa a monogamia serial – e o adultério.

              *

              Podemos nos “elevar” sobre esta natureza?

              Talvez sim. Mais da metade dos casamentos, nos Estados Unidos, duram a vida toda. Algumas pessoas passam a vida toda sem trair seus parceiros.

              Alguns escolhem o celibato. Outros, uma vida sem filhos – o suicídio genético.

              Porém o amor, selvagemente, pode tomar conta de nossas vidas.