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A MONOGAMIA É NATURAL?

    CAP. 3 – A MONOGAMIA É NATURAL? (SOBRE O VÍNCULO HUMANO… E A TRAPAÇA)

              Quando Darwin estava falando da sobrevivência dos mais aptos, não falava de sua beleza ou de sua conta bancária – e sim da sua capacidade de gerar filhos – que tenham filhos.

    – Por que sexo?

              A natureza deu origem a espécies que se “replicam” de diversas maneiras. Às vezes nos esquecemos que a grama é um ser vivo – e se espalha pelo mundo.

              Lagartos-de-chicote colocam ovos que são perfeitas réplicas de si mesmo. Reprodução assexuada. Partenogênese (“origem virgem”). Não perdem tempo e energia com a corte.

               A reprodução sexuada tem duas vantagens. Variedade genética é a primeira – embora o cruzamento também possa gerar uma perda da qualidade. A segunda vantagem é a hipótese de poder confundir os nossos inimigos. Criaturas em evolução constante podem ser menos susceptíveis a bactérias, vírus etc.

              Mas por que dois sexos? As bactérias têm apenas um. Porém os animais se dividem em fêmeas, produzindo grandes óvulos, contendo DNA e nutrientes, e machos, gerando pequenos e múltiplos espermatozoides, compostos quase que apenas de DNA.

              Ninguém sabe como surgiu o primeiro casal. Há apenas teorias, não plenamente aceitas.

    – Caminhos sexuais que nossos ancestrais negligenciaram

              O morango pode se reproduzir de maneira sexuada ou assexuada, a depender do ambiente.

              Minhocas são hermafroditas. Embora algumas espécies possam se autofecundar, elas preferem procurar um parceiro.

              Algumas espécies podem mudar de sexo! O peixe limpador, Labroides dimidiatus, vive de modo poliginico – um macho e meia dúzia de fêmeas. Se o macho morre, a fêmea dominante em poucos dias se torna um peixe macho!

              A copulação também não é o único modo em que pode haver a propagação das tochas de DNAs. Se você cuida de seus sobrinhos, está cuidando de metade dos seus genes – a mesma quantia que seus próprios filhos teriam.

              Porém o melhor método é mesmo acasalarmos. Da corte em diante, tudo se trata de “estratégias reprodutivas”.

              Nós somos largamente uma espécie monógama. Formamos pares para cuidar de nossos filhos. Aponte-se que, academicamente, “monogamia” não implica em fidelidade. Pelo contrário, o adultério vem quase de mãos dadas com a monogamia.

    – Peregrinos da natureza

              Melros de asa vermelha machos supervisionam grandes territórios, em pântanos, durante a época de reprodução. Muitas fêmeas aparecem e se juntam a um único macho e copulam com apenas ele.

              Ou era o que parecia. Alguns machos foram vasectomizados antes da estação da reprodução. Muitas de suas fêmeas apareceram grávidas, depois.

              Mais de 90% das mais de 8 mil espécies de aves são monógamas. Elas precisam ser. Enquanto um choca continuamente o ovo, o outro precisa trazer comida para o primeiro. Porém cópulas extra-par (CEPs) já foram relatadas em mais de 100 espécies monógamas.

              Por outro lado, apenas 3% dos mamíferos formam pares com o intuito de criar os filhos. Mas estes indivíduos também pulam a cerca. Gibões sempre foram vistos como um paradigma da virtude. Algumas fêmeas, observou-se, dão luz a filhos que não são geneticamente relatados a seus pares.

              Oficialmente, qualquer pessoa casada em um país que proíbe a poligamia é monógamo. Entretanto, 20-40% dos homens e 20-25% das mulheres dos Estados Unidos já tiveram um caso fora do casamento. E 60% dos homens e 53% das mulheres admitem que já assediaram alguém comprometido.

              A ligação em par é apenas parte de nossa estratégia reprodutiva. CEPs é frequentemente uma estratégia secundária, complemento da nossa tática mista ou dual.

              As CEPs são tão onipresentes que agora a “antiga” monogamia é chamada de “monogamia social”.

              Talvez a mais remarcável coisa que ambos os sexos tenham em comum seja que os dois se preocupam em se casar.

              O casamento é uma instituição quase universal. Em 2009, mais de 80% dos americanos havia se casado, até os 49 anos. No mundo, a média é de cerca de 90%.

              O casamento também chega aonde não há formalidade, cartórios, registro. Entre os Cashinahua, no Brasil, o casamento é algo casual. Quando a mulher chega na idade, o seu namorado passa a frequentar seu aposento, à noite – precisa ir embora antes do dia nascer. Aos poucos, ele vai deixando suas coisinhas lá. Mas o casamento não é levado a sério até que ela engravide – ou até que a ligação deles dure ao menos um ano.

              De um lado ao outro do mundo, a vasta maioria dos homens arruma uma esposa.

    – Construção do harém

              Apenas 16% de 853 culturas estudadas prescreve a monoginia (um homem com apenas uma mulher). Ou seja, 84% destas culturas permite a poliginia.

              O mais bem sucedido caso de poliginia parece ser o imperador do Marrocos Moulay Ismail, o Sedento por Sangue, que aparentemente teve 888 filhos.

              Porém imperadores chineses podem ter sido ainda mais prolíficos.

              Mas isto não é privilégio dos superpoderosos. Em muitas sociedades africanas, cerca de 25% dos homens mais velhos já tiveram duas ou três esposas simultaneamente.

              Entre os Tiwi, que moram em uma ilha próxima à Austrália, havia um sistema muito complexo (até a chegada dos europeus) onde homens negociavam e um se tornava esposo de todas as filhas ainda não nascidas da filha do outro!

              Na maioria das sociedades, as mulheres tentam evitar que o marido arrume uma mulher mais nova – mas são menos relutantes se esta mulher for sua irmã.

              Em haréns, é comum que as mulheres briguem entre si por recursos. Há situações, entretanto, em que a mulher quer fazer parte de um harém.

              Entre os Blackfoot da América do Norte, no final do século 19, havia muitos conflitos bélicos e homens estavam em falta. Alguns destes homens, entretanto, tinham armas conseguidas com os europeus – e conseguiam matar muitos búfalos. As mulheres solteiras, então, preferiam estar em um harém de um homem rico do que se juntar a um solteiro pobre.

              Até mesmo nos Estados Unidos, onde a poliginia oficial é proibida, muitos mórmons se juntam a várias mulheres, por declaradas razões religiosas. Na verdade, desde 1890 a religião oficialmente não incentiva mais a prática, mas alguns “fundamentalistas” preferem os costumes antigos. Sem surpresa, muitos destes são ricos.

              É um fato. Se a poliginia fosse oficialmente permitida nos Estados Unidos, um homem com centenas de milhões de dólares provavelmente conseguiria dezenas de esposas.

              Homem querem a poliginia para espalhar seus genes. As mulheres, para garantir recursos e a sobrevivência da prole. Mas estas razões não são conscientes. Se questionados, darão outras explicações.

    – Humanidade: um primata monógamo

              Como a poliginia parece ser geneticamente vantajosa e é praticada em várias sociedades, muitos antropólogos pensam que ela é o estandarte do humano natural.

              A autora discorda. Pensa que seja uma estratégia reprodutiva secundária e oportunista. Na vasta maioria das sociedades onde é permitida, apenas 5 a 10% dos homens a praticam. É um assunto muito discutido – e pouco praticado. Enquanto isto, a vasta maioria dos homens e mulheres em quase todas as sociedades formam um par, sendo o padrão mais comum o da “monogamia em série” (um de cada vez).

              O antropólogo George Peter Murdock estudou 250 sociedades e disse que, se olharmos apenas os números, praticamente toda sociedade é monógama – “apesar da preferência e frequência da poliginia na grande maioria”.

              E como a poliginia depende de recursos, a monogamia provavelmente era ainda mais prevalente entre os caçadores coletores.

              “Monandria” refere-se a uma mulher com apenas um homem – mesmo que esta mulher faça parte de um harém. Em 99,5% das culturas do mundo é o padrão. A poliandria só ocorre em situações raras – por exemplo, quando as mulheres são muito ricas.

              Entre os Tlingit do Alaska, as mulheres eram as comerciantes. E não era incomum uma mulher rica ter dois maridos.

              No Himalaia a poliandria também ocorria entre famílias abastadas das terras altas de Limi, no Nepal, que não queriam que a propriedade fosse dividida entre os herdeiros. Os filhos homens eram incentivados a ter uma só esposa – embora, muitas vezes, a contragosto.

               A poliandria também é rara no mundo animal – e por uma boa razão biológica. Uma fêmea pode ter um número limitado de filhos durante a vida.

              O limite médio feminino é de 25 filhos. O recorde pertence a uma russa, que teve 69 filhos, a maioria por partos múltiplos (ela engravidou 27 vezes). 

              Entre caçadores-coletores, a maioria das mulheres não tem mais do que cinco filhos.

              A poliandria pode ajudar a mulher a criar seus filhos, mas não a ter mais filhos. Já para o homem, é suicídio genético – a maioria do seu esperma será desperdiçado, dentro de um harém poliândrigo.

    – Vivendo em hordas

              Ainda mais raro do que a poliandria é o casamento múltiplo, “poliginandria”. Os grupos que a praticam podem ser contados nos dedos.

              Entre eles, os Pahari, no norte da Índia, onde uma esposa era tão cara que dois irmãos se associavam para comprar uma. Se estes irmãos conseguiam subir na vida, compravam mais uma.

              Casamento comunal também ocorreu em grupos hippies nos Estados Unidos.

    O assunto merece destaque, entretanto, porque revela o mais importante ponto sobre a ligação humana.

    A comunidade Oneida (nome da cidade onde nasceu) foi fundada em 1830, nos Estados Unidos, por um zelote[1], John Humphrey Noyes, que desejava criar uma utopia cristã. Funcionou até 1881. Em seu auge, havia cerca de 500 pessoas, trabalhando juntas em terras comuns. Todo mundo vivia em uma única construção, a Mansion House, que ainda existe – porém cada adulto tinha seu próprio quarto.  Mas tudo o mais era dividido, de roupas a parceiros sexuais.

    O amor romântico, a possessividade, eram considerados egoísmo, vergonhoso.

    Homens só podiam ejacular dentro da mulher se elas já tivessem passado da menopausa – não se queria que nascessem mais crianças além das que lá chegaram.

    Em 1968, entretanto, Noyes permitiu a gravidez, sob condições especiais – que o beneficiavam, aparentemente, já que das 62 crianças nascidas nos próximos anos, 12 eram filhos dele ou de seu filho.

    A tensão entre os membros começou a crescer, já que Noyes clamava pelas mulheres mais novas e para os jovens deixava as mais velhas.

    Em 1879, alguns homens revoltados acusaram Noyes de estupro contra várias mulheres. Ele fugiu e em poucos meses a comunidade acabou.

    O que a história mostra é que apesar das regras ditatoriais de Noyes, elas nunca impediram casais de formarem pares escondidos, movidos por sentimentos especiais – isto é, o “amor”, então proibido.

    De fato, nenhum experimento no Ocidente de casamento em grupo durou mais do que alguns anos. Margaret Mead: “Não importa quantas comunidades alguém invente, a família sempre volta.”

    A monogamia, então, é natural? Sim.

    Certamente há exceções.

    Dadas a condições propícias, a poliginia também é natural. Assim como a poliandria. Porém mulheres com homens poligênicos e homens com mulheres poliândricas irão disputar. Em suma, a situação só é bem aceita se os “dominantes” puderem bajular igualmente os “dominados”.

    Enquanto gorilas, cavalos etc. sempre formam haréns, entre humanos isto parece ser opcional.      

    Monogamia é a regra. Homens e mulheres nunca precisaram ser convencidos financeiramente a formar um par. Cortejamos, nos apaixonamos – e casamos. E a maioria de nós nos junta a apenas uma pessoa de cada vez. A formação de um casal é uma marca registrada do humano.

    – Amor arranjado

              Em muitos locais onde havia o casamento arranjado, frequentemente futuros marido e mulher nem mesmo se conheciam antes do casamento. Hoje, onde um certo arranjo ainda persiste, os envolvidos ao menos podem se conhecer antes e avaliar um ao outro. Se os pais querem muito aquela ligação, não podem obrigá-la, mas podem pressionar para que aconteça.

              Os egípcios modernos são um bom exemplo. Os pais dos jovens promovem um encontro entre eles. Se eles se gostam, os pais de ambos começam os preparativos.

              Interessantemente, muitos destes jovens acabam mesmo gostando um do outro. Isto foi bem documentado na Índia, onde as crianças aprendem que o amor marital é a essência do amor – e, assim, casam-se com expectativa. Dizem os hindus: “Primeiro nos casamos, depois amamos.”

              *

              Onde estamos, então? A estratégia reprodutiva básica humana é a monogamia, as provas estão aí.

              A China reprimiu o amor romântico por séculos.  Destino, resignação. A mulheres tinham os pés amarrados ao tear para não fugirem da casa do marido.

              Porém, com a crescente ocidentalização do país, os casamentos arranjado estão sendo abandonados. Livros, filmes, músicas, falam de amor. Os jovens estão namorando. E se separando.

              É o amor.

              Entretanto, muitas pessoas praticam uma estratégia reprodutiva dupla: monogamia e adultério. Por que alguns de nós somos infiéis aos nossos votos?


    [1] Pertencente à seita judaica dos zelotes.